Políticas públicas para PcDs na perspectiva das cidades no Vale do Paraíba


Mesmo com leis consolidadas, a inclusão escolar e social de pessoas com deficiência segue limitada por falta de apoio e estrutura 


Por Bia Alves (*)

Apesar dos avanços legislativos e institucionais, a presença das pessoas com deficiência (PcDs) no Brasil ainda é marcada por desigualdades profundas. Segundo dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) de 2022 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em parceria com o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, o Brasil possui cerca de 18,6 milhões de PcDs. Entre elas, a taxa de analfabetismo é de 19,5%, número muito superior aos 4,1% da população sem deficiência.
Esses dados evidenciam barreiras estruturais que limitam o acesso pleno a direitos e oportunidades, em contraste com o que prevê a legislação brasileira. A exclusão vai além das limitações físicas enfrentadas no cotidiano. Garantir às PcDs condições dignas de vida, com acesso à saúde, educação, trabalho e moradia, é obrigação compartilhada entre o Estado, a sociedade e a família — como estabelece o artigo 8º da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência.
No entanto, à medida que nos afastamos dos grandes centros urbanos e nos aproximamos do interior do país, a realidade da inclusão e acessibilidade das PcDs, bem como o suporte oferecido aos seus cuidadores, torna-se ainda mais preocupante. No Vale do Paraíba, essa situação se repete: a ausência de políticas públicas efetivas, infraestrutura adaptada e apoio institucional reforça a exclusão e dificulta o cumprimento dos direitos garantidos por lei.
Embora existam instituições dedicadas ao acolhimento e à promoção da acessibilidade para PcDs e seus responsáveis, sua atuação é muitas vezes limitada diante da demanda. Entre elas, destacam-se o Ceep (Centro de Atendimento e Educação Especial de Tremembé) e, em Taubaté, a Rede de Reabilitação Lucy Montoro. Ainda assim, as escolas da rede municipal da região carecem de suporte adequado.


O desafio da inclusão: o papel dos educadores no acolhimento

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em seu artigo 4º, inciso III, assegura o atendimento educacional especializado a alunos com deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino. No papel, a lei é abrangente e progressista. Na prática, porém, sua efetivação enfrenta diversos obstáculos no cotidiano escolar, revelando o abismo entre o previsto e o vivido por milhares de estudantes.

Mesmo com um arcabouço jurídico que garante a inclusão, a realidade nas escolas públicas ainda está distante do ideal. A crítica vai além da carência de infraestrutura: o maior problema é a ausência de apoio institucional consistente, que ofereça suporte real a alunos e professores. Incluir não é apenas matricular ou construir rampas — é transformar a escola em um espaço verdadeiramente plural, onde as diferenças são acolhidas como parte essencial da aprendizagem.

Nesse contexto, a professora Roberta Antunes, especializada em Educação Inclusiva e com experiência nas cidades de Taubaté e Tremembé, destaca que a falta de apoio pedagógico e institucional é um dos principais entraves. Para ela, a formação continuada e a empatia dos educadores são mais decisivas do que a infraestrutura.

“A formação dos professores é importante para tudo, independente de ser para a Educação Especial ou não. Mas a formação específica em inclusão é essencial, principalmente pelo olhar [...] Se você não estiver disposto a ajudar aquele estudante, ou ao menos tentar entendê-lo, isso se torna a maior barreira em sala de aula e no Atendimento Educacional Especializado, o AEE.”

Mais do que o olhar sensibilizado dos professores, é preciso que as políticas públicas também contemplem o apoio aos educadores. A psicóloga infantil e cuidadora educacional Camila Clementino reforça que a ausência de suporte compromete o trabalho pedagógico e o desenvolvimento das crianças.

“Muitos professores querem fazer a diferença, têm carinho pelas crianças, mas estão sozinhos com 25 alunos e sem orientação. Inclusão não é só rampa ou matrícula: é garantir que a criança participe, brinque e aprenda junto.”

Conquista de direitos e o papel da Defensoria Pública

Em um cenário educacional ainda carente de estrutura, professores e estudantes com deficiência enfrentam barreiras institucionais todos os dias. A atuação da Defensoria Pública tem sido essencial para garantir esses direitos.

Um exemplo é a condenação recente de uma escola em Barra Velha-SC, obrigada a pagar R$ 67,2 mil por recusar matrícula a uma criança com TEA (Transtorno do Espectro Autista), alegando falta de estrutura. A Justiça entendeu a recusa como discriminatória, por violar a LBI.

Lygia Frazão, advogada e vice-presidente do CEEP de Tremembé, reforça que a Defensoria Pública é vital para garantir o acesso à educação das PcDs, diante de falhas frequentes no cumprimento da lei. “No aspecto educacional, temos demandas recorrentes, como a necessidade de profissional de apoio ou cuidador em sala. O acesso à educação não é um favor, é um direito garantido por lei.”

Segundo Lygia, o maior obstáculo para a inclusão ainda é o desconhecimento das leis por parte da sociedade e das instituições:

“Uma lei não basta ser escrita. Ela precisa ser respeitada e aplicada. Se a população entender seu papel, poderemos construir uma sociedade mais justa e inclusiva.”

Diante dos desafios enfrentados por pessoas com deficiência e por quem cuida delas, é urgente repensar o papel da gestão pública. Garantir inclusão não é apenas permitir o acesso, mas assegurar permanência, participação e aprendizado. É preciso investir em formação, infraestrutura e apoio — porque construir uma sociedade inclusiva exige mais do que boas intenções: exige ação.



(*) Sob supervisão e edição do Prof. Me. Caíque Toledo