O olhar de quem cuida e a urgência de ser cuidado

 O cotidiano de mães, pais e cuidadores de pessoas com deficiência expõe a sobrecarga emocional e a falta de políticas públicas que apoiem quem dedica a vida ao outro


Por Isabella Maciel (*)


Foto: Lutécio Abreu
A inclusão de pessoas com deficiência (PcD) vai além de simplesmente integrá-las à sociedade, mas trata-se de garantir que todos tenham acesso aos mesmos direitos e oportunidades. A superação de barreiras físicas, políticas e sociais passa por um esforço coletivo, onde o serviço em comunidade busca atender às necessidades de todos.
Nesse cenário, pais, mães, familiares e cuidadores protagonizam uma rotina intensa de cuidados, respeitando a individualidade de cada deficiência. Essa missão, embora muitas vezes gratificante, também impõe desafios significativos para quem dedica sua vida a essa responsabilidade.
De acordo com a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2022, o Brasil registrou 18,6 milhões de pessoas com deficiência com 2 anos ou mais — o que corresponde a 8,9% da população dessa faixa etária. Na maioria dos casos, os cuidados são assumidos por um familiar, geralmente com dedicação integral, o que pode gerar estresse físico e sobrecarga emocional. A intensidade dessa rotina compromete, muitas vezes, a qualidade de vida de quem cuida.
O primeiro grande impacto é o momento do diagnóstico. Para muitas famílias, é quando uma nova realidade se impõe, acompanhada de dúvidas e demandas que se estendem por tempo indeterminado. Segundo Fernanda Bagatol, Romélia Bagatol e Adriana Grasseli, no artigo “A Psicologia na inclusão da criança na família frente ao diagnóstico da deficiência”, o diagnóstico desestabiliza a estrutura familiar, que precisa se reorganizar para lidar com os cuidados essenciais. Muitas vezes, o cuidador precisa abdicar de tarefas profissionais e pessoais, enfrentando também o peso emocional dessa transição.
A psicóloga Camila Clementino, especialista em Psicologia da Infância e Adolescência, explica: “Esse papel de cuidador de uma pessoa com deficiência, ainda mais quando se trata de um filho, com certeza transforma a vida dessa família. Os pais vivem uma montanha-russa de sentimentos: medo do futuro, culpa por não darem conta de tudo, frustração diante das atividades diárias, e até a sensação de estarem sozinhos, por falta de apoio.”
Em muitos casos, o cuidador se vê despreparado para lidar com situações do cotidiano, sentindo-se inseguro ou incapaz. Isso impacta diretamente a qualidade do cuidado prestado, como destacam Sandra Telles, Hélio Lopes Júnior e Francisco Mendonça no artigo “Saúde mental dos familiares/cuidadores de pessoas com deficiência: uma visão psicossocial”. Além disso, o autocuidado é frequentemente negligenciado, o que contribui para o aumento do estresse, cansaço, isolamento social, depressão e ansiedade — fatores que também afetam a capacidade de oferecer suporte contínuo.
Na dimensão social, o cuidador pode enfrentar preconceito, falta de acessibilidade, exclusão e até rejeição. Essas dificuldades extrapolam o campo emocional e atingem aspectos como a empregabilidade. De modo geral, essa função recai, sobretudo, sobre as mulheres — em especial, as mães. São elas que, muitas vezes, dedicam integralmente seu tempo e energia ao cuidado dos filhos com deficiência ou doenças raras, vivendo o que se conhece como “maternidade atípica”.
Mesmo diante de tantos desafios, essas mulheres seguem firmes, mesmo colocando em segundo plano suas próprias necessidades. A associação histórica entre o cuidado e a figura feminina ainda reforça a ideia de que é obrigação da mulher cuidar — uma imposição social sustentada por séculos, como analisam Ana Maria Carvalho, Vanessa Cavalcanti, Maria Alice de Almeida e Ana Cecília Bastos no artigo “Mulheres e cuidado: bases psicobiológicas ou arbitrariedade cultural?”.
“Essas mães muitas vezes vivem com muita culpa. Quando pensam em cuidar de si mesmas, também pensam: ‘E o meu filho? Eu preciso estar ali para ele’. É importante que exista uma rede de apoio e um espaço para escuta, para que elas não se sintam inferiores ou más mães. Querer se cuidar não é egoísmo, é uma questão de sobrevivência emocional”, comenta Camila Clementino.

Foto: Lutécio Abreu
Assumir o papel de cuidador exige uma rede de apoio efetiva: grupos de acolhimento, terapias, acesso a serviços de saúde e suporte psicológico. Essas ferramentas ajudam tanto no cuidado com a pessoa com deficiência quanto na preservação da saúde emocional do cuidador.
Além disso, é urgente a implementação de políticas públicas voltadas especificamente ao bem-estar dessas famílias. Afinal, o esgotamento não é apenas físico — ele é mental, estrutural e invisível para boa parte da sociedade.
“Seria muito importante ter grupos de apoio para troca de experiências, além de profissionais que ajudem de forma real, e políticas públicas que funcionem na prática. Muitas vezes, a ideia é boa, mas não se concretiza. Cuidar de quem cuida é essencial. Quando o cuidador — principalmente a mãe — está bem, isso reflete diretamente nos cuidados com os filhos”, conclui a psicóloga.


(*) Sob supervisão e edição do Prof. Me. Caíque Toledo