O desafio que não se vê e a realidade das deficiências invisíveis na escola

Transtornos como TDAH e autismo ainda enfrentam preconceito e desconhecimento, dificultando a inclusão escolar e afetando alunos, famílias e educadores

Por Lutécio Abreu (*)


O conceito de “deficiências ocultas” — ou “deficiências invisíveis” — abrange condições que não apresentam manifestações físicas perceptíveis, mas que impactam diretamente funções cognitivas, comunicativas e sociais. Quem vive com essas deficiências enfrenta batalhas silenciosas: lida com preconceito, dificuldades de diagnóstico e compreensão, desconhecimento sobre a condição e desafios em sua vida social e acadêmica.

No sistema de ensino, esses obstáculos se tornam ainda mais evidentes. Há lacunas na inclusão e na atuação adequada diante de alunos com essas condições. Professores, cuidadores e familiares encontram dificuldades para garantir um ensino realmente digno e inclusivo.

No Brasil, os Transtornos do Neurodesenvolvimento, como o TEA (Transtorno do Espectro Autista) e o TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade), têm apresentado crescimento significativo nos diagnósticos nos últimos anos. De acordo com o Censo Demográfico realizado pelo IBGE em 2022, o país contabilizou 2,4 milhões de pessoas com autismo — o que representa 1,2% da população total. Esse aumento nas identificações e nos tratamentos adequados está ligado a uma maior conscientização pública e profissional, além da evolução nos critérios diagnósticos.

A crescente visibilidade do tema vem reforçando a importância do cuidado e da inclusão. Símbolos como o colar de girassol e a fita quebra-cabeça têm sido usados para sensibilizar e facilitar a identificação de pessoas com TEA em espaços públicos. No campo da educação infantil, o conhecimento dessas condições é essencial para promover abordagens pedagógicas mais atentas, que favoreçam a experiência social e o aprendizado de cada aluno.

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A psicóloga infantil Camila Clementino destaca a importância do diagnóstico precoce: “O diagnóstico e o reconhecimento dessas deficiências fazem total diferença na vida do aluno. Quando a escola e a família entendem que aquele comportamento, muitas vezes visto como difícil ou preguiçoso, é, na verdade, parte de uma condição, tudo muda. A criança deixa de ser vista como um problema e passa a ser compreendida como alguém que precisa de suporte. O diagnóstico é o ponto de partida para estratégias pedagógicas e emocionais mais adequadas.”

Apesar dos avanços, o sistema educacional ainda apresenta falhas estruturais. Um dos principais gargalos está no suporte oferecido pelas instituições. Pesquisa realizada no âmbito deste projeto com professores de escolas municipais revelou que 28,6% dos docentes afirmam não receber apoio adequado para lidar com alunos com deficiência, enquanto 67,9% consideram o suporte recebido insuficiente.

Outros fatores críticos incluem o despreparo docente — devido à falta de formação específica em inclusão —, a comunicação falha com as famílias, o peso dos estigmas sociais, a ausência de diagnósticos precoces e a existência de uma legislação genérica, que não contempla com clareza as deficiências ocultas.

“Muitos desafios vão ser enfrentados por essas crianças, principalmente porque suas deficiências não são visíveis. Elas podem ser mal interpretadas. Um aluno com TDAH pode ser visto como bagunceiro, e um aluno autista pode ser visto como antipático. A escola precisa acolher essas diferenças e buscar estratégias pedagógicas que realmente ajudem no aprendizado”, ressalta Camila.

Nesse processo, os cuidadores desempenham um papel fundamental. São eles que oferecem suporte não apenas educacional, mas também emocional, ajudando a criança a se sentir segura no ambiente escolar. Na mesma pesquisa, os professores apontaram como prioridade a presença contínua de profissionais de apoio, seguida por formação continuada e materiais pedagógicos acessíveis.
Diante desse cenário, torna-se evidente a necessidade de políticas públicas mais estruturadas para a inclusão escolar. As instituições de ensino têm responsabilidade direta nesse processo: é essencial contar com profissionais capacitados — entre professores e cuidadores — que compreendam as especificidades dessas condições e atuem com empatia e compromisso.
“O essencial para promover esse acolhimento é informação. Conhecer o TDAH, o autismo, a dislexia ou outras condições permite olhar para essas crianças com mais empatia. Isso ajuda a criar adaptações pedagógicas e ambientes seguros e respeitosos. A escola não precisa ter todas as respostas, mas precisa estar disposta a aprender e escutar”, reforça a psicóloga.
Apesar das mudanças, o preconceito ainda é uma barreira significativa para pessoas com deficiências ocultas. A falta de compreensão faz com que muitas sejam julgadas por comportamentos fora do padrão, quando, na verdade, enfrentam condições que exigem acolhimento e suporte. Promover inclusão real passa por conscientização coletiva, formação continuada e ações concretas — tanto do poder público quanto das instituições. Só assim será possível construir um ambiente onde todos tenham seus direitos reconhecidos e respeitados.

(*) Sob supervisão e edição do Prof. Me. Caíque Toledo