Minorias, exclusão e resistência: a longa jornada das pessoas com deficiência por dignidade e direitos
Durante séculos, pessoas com deficiência foram invisibilizadas, segregadas e sacrificadas. Hoje, ainda enfrentam obstáculos para garantir direitos básicos e dignidade
Por Vitória Meneghetti (*)
| Foto: Kampus Production via Pexels |
Ao longo da história, o conceito de “minoria” foi ganhando novos contornos. Mais do que uma questão numérica, ele passou a englobar grupos que, mesmo representando parcelas significativas da população, enfrentam desvantagens nas relações de poder. É o caso das pessoas com deficiência (PcDs), que viveram — e ainda vivem — uma trajetória marcada por exclusão, estigmas e resistência.
A construção da ideia de minorias é fruto de um longo processo jurídico, social, filosófico e político. Inicialmente, a filosofia e a ciência política utilizaram o termo para abordar disputas de poder. Com o tempo, a sociologia e a antropologia passaram a aplicar o conceito a grupos étnico-raciais submetidos a culturas e valores dominantes. No Brasil, afrodescendentes, povos originários e imigrantes foram incluídos nesse escopo. Mais adiante, crianças, mulheres, idosos, PcDs, população LGBT+ e pessoas em situação de rua também passaram a ser reconhecidos como parte desse coletivo social vulnerável.
Muitas vezes, o termo “minoria” é interpretado apenas pelo viés quantitativo. Foi assim, por exemplo, no relatório de 1979 da ONU (Organização das Nações Unidas), em que Francesco Capotorti definiu minorias como grupos numericamente inferiores, em posição não dominante, com características culturais, religiosas ou linguísticas distintas. Mas essa visão tem sido superada por abordagens que enfatizam o aspecto qualitativo, como explica o antropólogo Francisco Moonen: na sociologia, minorias são subgrupos que ocupam posições sociais privilegiadas, neutras ou marginais, independentemente do número de pessoas.
Liliana Jubilut, professora e pesquisadora da USP, aponta que o conceito de minoria é, antes de tudo, um “construto histórico-político-filosófico-social-teórico”. Para ela, ser minoria envolve, simultaneamente, a experiência de diferença, a percepção de exclusão e a busca por reconhecimento dentro de uma sociedade que tende a padronizar.
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PcDs: da rejeição ao reconhecimento
Grandes nomes da filosofia, como Platão e Aristóteles, também defendiam o afastamento de pessoas com limitações físicas ou cognitivas. Para eles, tais indivíduos não deveriam ser educados nem integrados à sociedade.
Com a ascensão do cristianismo na Idade Média, a deficiência passou a ser associada ao pecado. O perdão e a penitência se tornaram os únicos caminhos para a aceitação. Somente na Idade Moderna, com o Renascimento e o Iluminismo, essa percepção começou a mudar. Correntes filosóficas passaram a propor uma visão mais natural e humanizada das diferenças corporais e mentais.
A Revolução Industrial, por sua vez, trouxe novas tensões. Com o aumento dos acidentes de trabalho e a ausência de legislação trabalhista, a deficiência tornou-se mais visível e, em certos casos, levou à criação de instrumentos de suporte — como cadeiras de rodas, o Braille e a linguagem de sinais. No entanto, o avanço do movimento eugênico no final do século XIX resultou em mais exclusão. Durante o Holocausto, PcDs foram alvos de extermínio em larga escala.
Direitos ainda em construção
Na educação, os primeiros esforços datam de meados do século XIX, com a criação de instituições voltadas a cegos e surdos. Em 1973, o MEC criou o CENESP, consolidando uma política nacional de educação especial. Mas a inclusão plena ainda esbarra em desigualdades estruturais.
Como lembra o escritor Otto Marques da Silva, a deficiência acompanha a humanidade desde seus primórdios. O que muda — ou deveria mudar — é a forma como a sociedade decide lidar com ela. Apesar dos avanços, a jornada por dignidade, acesso e cidadania continua sendo diária para milhões de brasileiros com deficiência.