Periferia em foco: o poder transformador da educação

 

Realidades invisibilizadas ganham voz por meio do conhecimento, revelando o papel essencial da escola na construção de futuros mais dignos


Por João Kelly, Guilherme Schiavo, Jhonatan William, Isabella Toledo e Paula Latanza (*)



“Nego drama entre o sucesso e a lama, dinheiro, problemas, inveja, luxo, fama…”


Os versos música 'Nego Drama', lançada em 2000 pelo grupo Racionais MC’s, retratam a trajetória de jovens negros periféricos entre a violência, o racismo estrutural e a exclusão social. A canção, mais que um sucesso estrondoso, se tornou símbolo da resistência e da luta por oportunidades.


Ela também traduz o cenário enfrentado por milhares de crianças e adolescentes brasileiros: crescer em ambientes marcados por fome, desigualdade e falta de segurança. Diante disso, a educação — somada a políticas públicas — é uma das poucas ferramentas capazes de romper esse ciclo.


Segundo o censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2022, cerca de 16,4 milhões de pessoas vivem em favelas no Brasil, o que representa 8,1% da população. Nessas regiões, faltam segurança, saneamento, saúde e acesso a uma educação de qualidade. Essa ausência de estrutura alimenta um ciclo de exclusão que se repete entre gerações.


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Michele Cadertuno é diretora de uma escola pública fundamental na cidade de Taubaté, no interior de São Paulo. Com 20 anos de experiência, atuou em diversas unidades escolares periféricas, e destaca a dificuldade de envolver as famílias na vida escolar das crianças, o que compromete o processo de aprendizado. “Sempre trabalhei em bairros onde os pais dependem de renda do governo ou têm empregos informais. Muitos alunos que passaram por mim acabaram presos ou mortos pelo tráfico.”


Os impactos psicológicos também podem ser grandes. Helena Gorges, estudante de Psicologia da Universidade de Taubaté, atua na área da educação, e, segundo ela, crianças em contextos vulneráveis não reconhecem os próprios traumas -- mas sofrem seus efeitos. “Elas ficam vulneráveis, não veem outras possibilidades e acabam se apoiando em escolhas destrutivas. Em casos extremos, caem nos vícios.”


A teoria sociocultural de Lev Vygotsky ajuda a entender esse fenômeno: o desenvolvimento cognitivo depende da interação com adultos e exemplos positivos. Na ausência deles, essas crianças buscam referências na comunidade, muitas vezes marcada por valores de marginalidade.


Outro exemplo de superação vem de Thiago Jamalho, professor de Química na Etec Dr. Geraldo Alckmin e na Fatec (. Criado em Itaquaquecetuba-SP, enfrentou dificuldades para estudar e trabalhar ao mesmo tempo. “Meu patrão não apoiava meus estudos. Pensei em desistir várias vezes, mas continuei porque queria mudar minha realidade, crescer como pessoa e me tornar professor.”


Hoje, Thiago acredita que sua missão é mostrar aos alunos que existem caminhos possíveis. “As oportunidades estão aí. Cabe a nós, professores, ajudar os alunos a enxergá-las.”



As três vozes da educação tem seus relatos distintos, mas em um mesmo foco para mostrar como o conhecimento pode transformar vidas na periferia. Apesar dos inúmeros desafios, a escola ainda é o espaço mais potente para gerar novas possibilidades.


Concluir que a educação é a chave para quebrar o ciclo da exclusão não é apenas um clichê: é uma verdade cotidiana nas periferias brasileiras. É preciso investir em políticas públicas, valorizar professores, promover a arte e facilitar o acesso à informação para que cada vez mais histórias sigam o caminho da superação.


As vozes da periferia precisam ser maximizadas para que seus anseios sejam escutados e respeitados. Enquanto muita gente ainda não as escuta, a educação será o meio pelo qual eles serão ouvidos.


(*) Sob supervisão e edição do Prof. Me. Caíque Toledo