por Pablo Sigaud
Atualmente o que é ser de esquerda no Brasil?
É lutar por um ideário de dignificação da pessoa por meio de ações empreendidas pelo Estado. Essas ações, chamadas de afirmativas visam o empoderamento de grupos minoritários que sempre estiveram à margem da sociedade e, junto com isso, uma modificação do Estado como justificador do ideário burguês, ou seja, que ele deixe de ser receptáculo dos interesses dessa classe que sempre mandou nos destinos do Brasil e que é responsável pelo grande número de desgraçados existentes aqui.
Quais são as contradições da esquerda?
O grande problema da discussão e execução desse ideário é que ela passa, invariavelmente, pela discussão de Estado. E quando essa esquerda chega até ele, é cooptada exatamente pelos mimos que esse Estado oferece. Mas, mesmo com essa constatação, os últimos governos, de linhagem socialista, promoveram um desenvolvimento inigualável na história brasileira, como afirmam todas as estatísticas.
José Dirceu, Genuíno e outros lideres da esquerda que tiveram grande importância na luta contra a ditadura e a favor da democracia estiveram envolvidos em grandes casos de corrupção. O quanto esses fatos contribuíram para a desmoralização da esquerda?
A 'mosca azul' picou essa galera que sonhou com um Brasil diferente e, quando na máquina partidária ou estatal, foram corrompidos pelos males cultivados pelo próprio Estado. O resultado foi catastrófico: criminalização dos movimentos sociais, dificultação de debate progressista e o pior, a desqualificação do PT como porta-voz dessa mudança. O estrago é tão grande que somente o tempo há de cicatrizar os danos causados por esses que ingenuamente fizeram o jogo das elites e comprometeram todo esse ideário.
Recentemente ocorreu o processo e a aprovação de impedimento da presidente Dilma.O impedimento foi um processo legal?Por que?
A história tem nos provado que há algo podre nessa história e começa a feder. Do ponto de vista criminal, não há na peça acusatória nada que a qualifique. Quanto ao julgamento político, nem é preciso dizer muita coisa: basta o leitor lembrar-se do circo de horror que foi a sessão parlamentar de acolhimento e pesar as falas pronunciadas pelos nobres deputados, que ficarão nos autos como uma das mais patéticas e covardes. Vale a pena, somente para refrescar a memória, a figura abominável de Eduardo Cunha, que ainda tem muito a falar sobre o tema. Então podemos concluir da seguinte maneira: do ponto de vista da legalidade, uma mentira. Do ponto de vista legislativo, uma palhaçada. Mas Dilma foi defenestrada e a sociedade começa a perceber o erro cometido: o governo que assumiu está pouco comprometido com o programa progressista. É um covarde aventureiro, irresponsável, que tem dado vozes aos sujeitos mais retrógrados da sociedade brasileira.
Qual foi o papel da grande mídia no afastamento da presidente Dilma?
Essa discussão é quase infinita: a grande mídia executou um papel extremamente maldoso durante o processo de impeachment: foi partidária, acusatória, leviana e inconseqüente. Publicou o que os grandes grupos econômicos encomendaram e criminalizaram o governo de Dilma Rousseff. Mas essa mídia foi bem recompensada pelo trabalho executado: o governo tem investido maciçamente em propaganda nesses veículos e qualquer estudante de jornalismo pode perceber o quão pobre ela se tornou diante de um fato político tão grave e com conseqüência tão imprevisíveis.
Vivemos em um momento de polarização política no pais com fatos de extrema intolerância. Como podemos reverter essa situação?
Tenho dito que essa onda de contestação sem suporte teórico tem ressuscitado demônios que estavam adormecidos no inconsciente coletivo brasileiro. O resultado disso foi e é uma realidade marcada pelo discurso de ódio, intolerância e de resgate de um dos tempos mais desgraçados da história brasileira. Essa turma, financiada por grandes partidos políticos e por empresários pouco comprometidos com a inovação da sociedade brasileira ainda encontra espaço para destilar sua raiva em relação a temas que são complicados. Mas todo processo tem um esgotamento: quando a sociedade perceber a superficialidade desses discursos e desmascarar seus sujeitos, encontraremos a paz garantidora de boa convivência social, que, aliás, sempre foi uma das características do povo brasileiro.
Você acredita que essa polarizacao será o inicio de um engajamento politico na sociedade brasileira?
Todo movimento reivindicatório é justo na democracia. Mas ele deve vir acompanhado de um projeto de mudança equilibrada, garantidora de boa vida social. O que acontece no Brasil hoje tá muito longe dessa necessidade ou exigência: as últimas eleições mostraram um número aterrador de indivíduos que não se sentiram seguros da participação política. Por isso a quantidade de votos brancos, nulos e de abstenção. Essa galera não consegue perceber que tudo aquilo que provém da intolerância não gera segurança, portanto, fica longe dessa idéia de participação política. É interessante ressaltar que quanto menos política se praticar no dia-a-dia, mais ódio será cultivado nessa sociedade. Aliás, é também interessante que toda essa galera revolucionária está hoje bem alojada nos partidos de direita ou são bem sustentados pelos mesmos, como têm atestado um número considerável de dissidentes.
Parece que o Brasil caminha para uma ideologia mais direitista.Isso é bom ou ruim para o país?
De jeito nenhum. Qualquer pessoa de bom senso, ao estudar o liberalismo econômico, sabe que esse ideário é muito bom para uma parcela reduzida da sociedade. Para a maioria, esse papo de livre mercado, concorrência, individualismo e propriedade privada é pura enganação. E pior: essa direita que tanto condena a obrigação do Estado de servir às necessidades de grupos aliados do poder, é a mesma que vive pedindo socorro ao Estado. Fica para a memória do leitor a recuperação de tantos planos de socorro que beiram as dezenas de bilhões de dólares, como a Oi.
Os professores de humanas geralmente sao de esquerda.Por que?
Nas áreas específicas de conhecimento acadêmico há um grupo mais sensível à discussão política, que é o de humanidades. Não que as outras não atentem para o debate, mas que o grupo identificado é mais próximo de uma formação mais crítica e subsidiada por teorias pertinentes à discussão. Isso é bom e ruim ao mesmo tempo. Bom porque esse grupo se torna um bastão da defesa desses valores tão essenciais ao progresso humano, e ruim porque as outras áreas, ao perceberem a limitação da discussão, acabam se afastando, o que pode gerar um certo comodismo ou até mesmo sustentação de certas aberrações políticas que enxergamos no cotidiano universitário.
O que falta para o Brasil se desenvolver socialmente?
Falta muita discussão sobre a política que acontece no cotidiano de cada pessoa e das instituições. Todas as reformas necessárias e todas aquelas executadas até hoje pecaram pela superficialidade da discussão empreendida. Se o futuro das gerações exige maturidade de planejamento e de execução, pecamos pela falta dos dois: somos um país superficial em planejamento e irresponsável quanto às suas obrigações futuras. Culpa de quem? De todos nós, que achamos que a mão divina determina o futuro