“O tempo girou num instante, na roda do meu coração”



Por Nathalia Oliveira

A dormência pode ser sentida em metade do corpo. Não dá para andar, nem falar direito. O chão parece ser o melhor lugar para deitar quando a crise vem. Vem também o medo, pois o corpo não responde e o cérebro teme perecer. Ali dentro, a doença autoimune vai desempenhando seu papel. Diagnóstico: esclerose múltipla. “São coisas esquisitas que você sente, começa tipo um formigamento e como se tivesse alguma coisa queimando, parece que tem algo em revolução lá dentro”, descreve Neusa Maria de Oliveira, que foi diagnosticada com esclerose múltipla em 1998, aos 46 anos e, desde então, convive com a doença.

Hoje bancária aposentada, Neusa foi uma criança e adolescente com hábitos normais. “Gostava de brincar e fazer aquelas coisas de criança mesmo da época, mas também gostava bastante de ler”, diz. “Eu já tinha tido uns surtos durante a minha vida, por exemplo o olho que não funcionava bem, daí eu procurava o oftalmologista, falava que era conjuntivite, mas nunca tive. Também já fiquei sem movimento total, só movimentei os braços e a cabeça, fui levantar da cama, não levantava, tinha muitas dores nos braços pra trabalhar, pensava que era tendinite, mas ninguém sabia o que era”, explicita.

Ela só descobriu qual era de fato sua doença quando foi ao médico no momento que estava tendo um surto mais grave, com amortecimento do lado direito do corpo. Após uma ressonância magnética, finalmente veio o diagnóstico definitivo. “Eu me senti horrível, minhas sobrinhas fizeram pesquisas na internet, ficamos apavoradas, fiquei pra baixo por uns dois anos”, relembra também que não conseguia mexer muito bem o lado direito. “Eu chorava muito, me arrastava pro banheiro, minha irmã me trazia comida na cama, não conseguia nem parar em pé”, relata a aposentada.

A esclerose múltipla é uma doença considerada rara em que o sistema imunológico corrói as bainhas de mielina protetoras que cobrem as células do sistema nervoso. Se as células se esbarrarem sem essa proteção, podem haver diversas reações no resto do corpo, tais como comprometimento da coordenação motora, perda de visão, dor, dormência, fraqueza, entre outros. A doença não tem cura, mas o tratamento adequado ajuda no alívio dos sintomas. Neusa tem 64 anos e há mais de uma década prova aos médicos que diziam para tomar cuidado com a doença imprevisível que ela pode tendo a fé e a família como pilares.



A família foi importantíssima todo esse tempo, Neusa morava em São José dos Campos (SP), mas voltou para Taubaté, sua cidade natal. “Se eu não tivesse os meus irmãos que me levavam pra todo que é lado, médicos e tudo que eu precisava, e minha mãe também, que me ajudou financeiramente...”, se emociona, considerando a possibilidade de ficar sem este apoio. A fé também foi de suma importância na recuperação e na força diária para combater a doença. Neusa, que é espírita, descobriu na filosofia a iluminação de que precisava. “A Seicho-No-Ie me levou a pensar de uma maneira diferente”, explica. A filosofia de origem japonesa prega o amor com o intuito de tornar o mundo um lugar melhor por meio das atitudes de cada um. “Eu falei com um dirigente e ele foi muito maravilhoso, me ensinou um monte de coisas sobre pensamento positivo, perdoar e agradecer, e, a partir daí eu comecei a ver que não adiantava nada ficar pra baixo, eu não ia sair daquilo”, se alegra Neusa, ao se lembrar de como saiu do estado depressivo ao melhorar a mente e, consequentemente, o corpo.

Fora o cuidado espiritual, o tratamento clínico se deu por meio da pulsoterapia – administração de altas doses de medicamentos por curtos períodos de tempo – que consistia na ingestão de um grama de corticóide por dia, de 3 a 5 dias, durante os períodos de surto. Neusa fez esse procedimento pelo SUS durante aproximadamente um ano, mas sentia muitas dores. “Você vai se acostumando com aquela dor que nunca some, vai fazendo alongamento e fisioterapia”, conta a aposentada, enquanto ri da situação.

“Em nenhum momento eu pensei em desistir, nenhum”, frisa, emocionada. “Eu estava tomando café com o meu irmão, com os olhos inchados de tanto chorar e reclamar disso, então, ele virou pra mim e disse: ‘Então é só parar de chorar’. Naquele momento, eu percebi que precisava fazer algo a respeito”, relata a aposentada sobre seu momento de epifania.

Atualmente, Neusa não tem mais surtos e sua maior dificuldade reside em não conseguir andar muito e dirigir. Entretanto, consegue realizar pequenas caminhadas no dia a dia, mora sozinha, e não gosta de ficar refém dos outros. Para quem é diagnosticado, Neusa manda um recado. “As pessoas têm que lutar com consciência. Não fiquem desesperados porque a coisa vai pra baixo, porque se você não conseguir se recuperar desse susto inicial é onde você se afunda. Não se entregue, tente”, enfatiza. Ela também levanta uma crítica aos médicos que tentam limitar os desejos da pessoa baseados na imprevisibilidade da doença. “Eu sou uma lutadora, a vida me motiva a seguir em frente”, conclui, rindo, exalando esperança.