De Tremembé para o mundo: A história de Mere Oliveira


Enfrentando diversas dificuldades, a cantora lírica persistiu em seu sonho, e se tornou uma referencia no meio musical


Através dos séculos, a música tem sido utilizada de diversas formas para entreter, tratar problemas e integrar pessoas à sociedade. A carreira de um músico não é, e nunca foi fácil. Especialmente na área erudita. Que o diga a personagem, Mere Oliveira. Nascida em Tremembé, e Taubateana de coração, Mere enfrentou duros percalços durante a sua trajetória na música clássica até atingir o seu auge.

Por Lucas Rodrigues

Ganhadora de diversos prêmios, e dona de uma potente voz de renome internacional, a mezzo-soprano compartilha com todos um pouco da sua história de luta e de superação. Ainda aos três anos de idade, a musicista passava horas e horas cantando as músicas regionais do Vale do Paraíba, na companhia de sua mãe. Além do estilo regional, ela adorava estar presente na igreja evangélica na qual seu pai era pastor, só para ouvir os louvores que tocavam naquela época. “Eu nunca tive preconceito com nenhum estilo de música, gostava de cantar, fosse o que fosse. Aprendi desde cedo que a música nos liberta, nos coloca em outros estágios sensoriais. Cantar para aliviar as durezas da vida sempre foi meu lema”, revela.

Mere indo contra todas as condições, investiu em seu sonho,
e hoje é uma renomada cantora de ópera, conhecida
internacionalmente
Foto: João Rangel/Trilhas Culturais
Já na fase adulta, Mere enfrentou muitas dificuldades antes mesmo de ingressar de vez na carreira de cantora lírica. “Foram muitas as vezes que pensei em desistir. Houve momentos em que a dificuldade e a dor eram insuportáveis”, conta a cantora. De família negra e humilde, criada no interior paulistano, os seus sonhos e objetivos pareciam muito restritos e limitados. Se formando no curso de Publicidade e Propaganda pela Universidade de Taubaté, logo ingressou na carreira pública, atuando como Assistente Técnica na Prefeitura de Taubaté, seu desejo de se tornar uma cantora lírica só aumentava, na mesma proporção em que as oportunidades pareciam diminuir. “O fato de se ter uma voz bonita, e gostar de cantar, não são suficientes para seguir nessa carreira”, explica Mere. “Eu lembro que as pessoas que trabalhavam comigo na prefeitura sempre me apoiaram e mais ainda quando eu ganhei um concurso de intérprete, em 2001, na Argentina. Mas para ter chance nessa carreira tão disputada e difícil eu tinha que me dedicar.”, confidencia.

Certa vez, Mere chegou a sua casa e disse ao seu pai que era uma cantora de ópera. Humilde, ele nem sabia do que se tratava. Não compreendeu e não motivou a filha a seguir em frente. “Para me tornar uma intérprete de música erudita teria que deixar o trabalho e fazer cursos, me qualificar. E não é fácil deixar um emprego e um salário certos, que ajuda a família, para tentar uma coisa tão distante naquele momento, que era ser uma cantora de lírica.”, explica. Indo contra tudo e todos, focando todas suas energias no seu sonho, a jovem estudante de canto deixou seu cargo público, e foi se aprimorar. Começou fazendo um pequeno curso de técnica vocal na Escola Municipal de Música,
Artes Plásticas e Cênicas Maestro Fêgo Camargo. Juntou um pouco de dinheiro, e decidiu ir mais além atrás de sua carreira musical. Viajou para o exterior, e ganhou dois prêmios como interprete. Um no Uruguai e outro na Argentina.

Além de cantora, Mere se dedica a treinar
um grupo de jovens cantores no Ópera
Studio Vale
Foto: Lucas Rodrigues
Os prêmios foram lhe dando trabalhos e os concursos que ia vencendo ajudavam a corrigir as imperfeições e lacunas técnicas. Em 2008, ao lado de mais dezenove alunos, ganhou um curso internacional de dois anos, realizado no Teatro de Guaíra, em Curitiba e, entre os professores, dois foram primordiais na sua formação, a professora chilena e mezzo-soprano radicada na Alemanha, Graciela Araya, e o preparador vocal Vitor Philomeno. Vieram turnês pela Europa (Hungria, Alemanha e Croácia), em 2010 e os convites para interpretar Carmen, uma das maiores e melhores personagens do repertório operístico, e talvez o maior papel da carreira de Mere.

Contratou diversos profissionais, desenhou os figurinos, reservou o teatro da cidade e interpretou nove cenas da ópera Carmen. “Desde muito cedo, sou uma empreendedora. Se não tivesse uma porta aberta, eu abriria uma (risos). Quando decidi fazer esse pequeno espetáculo, fiz tudo, inclusive assessoria, aproveitando meus conhecimentos em comunicação social. Foram três dias de teatro lotado e as pessoas adoraram tudo aquilo, foi uma loucura na época, e eu repetiria com todo o prazer aquele aprendizado.”, conta a cantora, que utilizou dessa mesma peça para estrear seu novo projeto: O grupo “Ópera Studio Vale”.

No ano de 2014, em parceria com a Fundação de Arte e Cultura da Universidade de Taubaté (FUNAC-UNITAU), a mezzo-soprano deu inicio ao que vem a ser até o momento, o primeiro estúdio de ópera da região, abrangendo todo o Vale do Paraíba, Serra da Mantiqueira e Litoral Norte. “A meta do projeto é permitir que o estudante de música erudita aprenda a atuar em cena, aprenda a fazer ópera”, explicou a professora responsável pela criação do projeto, Mere Oliveira. “Junto com o canto, o aluno deve dominar muitas outras coisas, como a interpretação de um personagem, a fonética das falas em outros idiomas e toda a parte técnica em grupo”, destaca.