Mais que uma profissão, um amor para vida toda



Por Pablo Sigaud

Carmela aprendeu desde a mais tenra infância que os alimentos têm papel especial na vida das pessoas, não cumpre somente o objetivo de nutrir, mas de alimentar a alma. A avó da nutricionista apelidada de 'Nonna', sempre disposta a cozinhar ensinou a mãe de Carmela os segredos da culinária quando ela casou com o seu filho Pasquale.Os conhecimentos foram passados de geração para geração e desde cedo, Carmela e os irmãos começaram a cozinhar, ela conta que por volta dos 10 anos, já arriscava pratos básicos no fogão.

Quando cursava o ensino médio, percebeu que seu amor pela culinária poderia se tornar profissão.Essa decisão aconteceu quando a professora de Física solicitou um trabalho escolar em que os alunos teriam que calcular as calorias dos alimentos.A atividade fez com que Carmela se apaixonasse também pelos nutrientes,unindo a paixão dos carboidratos, lipídeos e proteínas, à paixão de cozinhar,optando em cursar a faculdade de nutrição. No último ano do colégio, Carmela, que sempre estudou no Ensino público, se sentiu insegura para engatar num Ensino Superior pois julgava-se ter pouca instrução. Tentou uma prova em um colégio da cidade que oferecia cursos pré-vestibular e conseguiu uma bolsa de desconto com 70% do valor original. O restante, Carmela custeava com o dinheiro que ganhava trabalhando aos finais de semana em lojas no bairro turístico da cidade. Conta que aos 14 já trabalhava como balconista no comércio.



Apesar do esforço,diz que o ensino do colégio público comparado com o particular estava há “anos de distancia,por esse fato optou por cursar uma Faculdade privada.Conseguiu juntar o valor da matrícula de sua faculdade em Taubaté, localizada a cerca de 50km da cidade natal. Diz que no dia da matrícula na Universidade, foi impedida de se matricular por ser menor de idade. Retornou a cidade natal e procurou algum responsável que assinasse por ela. Estava dentro da faculdade e o restante, veria depois como fazer.

Já na faculdade, com 17 anos, Carmela tomou por si só a iniciativa de se formar. Com a mãe ainda contrariada, pois a filha mais velha ainda estava na faculdade, teve um pouco de receio. Mas, Carmela e sua vontade de ir adiante acabaram prevalecendo. Mal sabia que ali começaria uma fase bem complicada de sua vida. Conta que o período Universitário foi difícil, trabalhava em dois empregos para custear as despesas dos estudos, mas não se arrepende. Ia todos os dias de ônibus para Taubaté estudar, e diz que estudava em um departamento afastado do centro. Por conta disso, tinha que sair de Campos do Jordão as 16h para chegar a tempo na rodoviária de Taubaté, onde pegava um transporte cedido pela Universidade para chegar no bairro rural, onde estudava. Como o curso tinha o início das aulas as 18h e o término as 23h, o mesmo horário em que o ônibus para Campos do Jordão tinha partida, Carmela tinha que pegar carona com professores, colegas e até mesmo desconhecidos para chegar à cidade a tempo e conseguir ir embora para a casa. Posteriormente, o curso de Nutrição mudou para o departamento de medicina, um alívio, pois não precisaria mais ir até o bairro rural, mesmo assim, os esforços não acabavam por aí, pois tinha que caminhar cerca de 30 minutos até o departamento.

Como estudava também aos sábados,todas as atividades do departamento se davam pela manhã, muitas vezes tinha que retornar para Campos do Jordão e trabalhar até meia noite. Carmela conta que nessa época seu irmão ajudou bastante. Em muitos sábados, ele ia até o ponto de ônibus e entregava rapidamente a sacola com seu uniforme de trabalho, para que Carmela continuasse o trajeto até o mais próximo possível do bairro onde trabalhava, depois pegava um outro ônibus até seu destino final. Diz que sempre chegava atrasada, e isso fazia com que as outras funcionárias ficassem contrariadas, começou a criar um clima de desarmonia em torno disso. Por conta do atraso, no dia seguinte, tinha que cumprir uma carga horária maior, e trabalhava das 8h até as 00h. Durante a semana, cumpria horário de estágio em uma escola próxima de sua casa, e às sextas, sábados, domingos e feriados, trabalhava no comércio de turismo.Muitas vezes atendeu colegas da faculdade, que estavam de férias aproveitando o feriado.

Quando estava no último ano da graduação, por falta de opção, teve que manter as duas fontes de renda, ganhava muito pouco, e o quarto ano previa estágios em período integral. Nessa época se envolveu com atividades da comissão de formatura , resolvendo assuntos da festa para conseguir seu convite no baile de forma gratuita. Seu período de execução do TCC (trabalho de conclusão de curso) foi bem caótico. Já havia escolhido seu professor orientador, quando foi questionada por uma outra educadora que dizia que o tema escolhido era simplório e que a aluna era inteligente demais para trabalhar este conteúdo. A futura nutricionista optou por mudar de orientador e também do assunto da conclusão de Graduação.

A nova professora era muito exigente, gostava que as solicitações fossem entregues até as 23:59h em seu e-mail, nenhum minuto a mais.Com a exigência da professora e a pro-atividade de Carmela, o TCC foi tomando uma dimensão que jamais imaginou, viu seu computador lotado com as mais diversas planilhas de cálculos de excel, muitas páginas de bibliografia e um filme amador a ser editado. Reuniu os filhos das colegas da faculdade e gravou um vídeo amador falando sobre seu tema.

Carmela conta que não tinha experiência com edição de vídeos, e que, por este motivo, certa vez, acabou perdendo a edição de 8 horas de trabalho quando o computador travou. “Chorei, gritei, esperneei e me descabelei toda” conta. Mas o irmão, que a estava ajudando da edição apenas disse “Vamos começar de novo” e de fato, não tinha outra solução. Seus infortúnios com a tecnologia não pararam por aí. Há poucos meses da entrega do trabalho, seu notebook caiu no chão e quebrou em vários pedaços. O pen-drive em que salvava os arquivos tinha quebrado e ao ligar o computador, tentou as pressas transferir os arquivos para outra máquina. A peça que carregava o notebook tinha se soltado com a queda, e não teria mais como carregá-lo, “foi um momento de muita tensão”, relata.

A exigência da professora de Carmela não parava por aí, queria que ela adiantasse o trabalho, mas sua graduação exigia que o trabalho passasse por um comitê de ética na faculdade, e que por acaso, demorou meses para aprovar o trabalho de Carmela. Quando teve a resposta, restava somente menos de 3 meses para coletar os dados e finalizar o trabalho. Foi uma corrida contra o tempo. Mesmo assim, apresentou seu TCC num congresso local da Universidade, “Seu trabalho parece um mestrado”, relatou a avaliadora. Mesmo com toda a correria, conseguiu entregar o trabalho a tempo, foi a primeira das orientadas da professora a finalizar o TCC. Depois de tanta exigência conseguiu tirar um elogio “Você foi a última a ser liberada pelo comitê, mas a primeira a entregar” disse a professora, que muitas vezes já tinha feito críticas duras a aluna. Conta que foi um momento difícil, mas aprendeu a ter disciplina com essa professora, aprendeu a cumprir prazos e realizar trabalhos com excelência.

No dia da banca avaliadora, sua nota, 9.9, não a deixou satisfeita. Gostaria de tirar a nota máxima, “nossa banca não é escolhida para dar 10, é escolhida para dar a nota justa” disse a professora. Então Carmela se contentou com sua avaliação. Em meados de setembro, do último ano de seu curso, decidiu abandonar o trabalho no comércio, estava cansada, e precisava de tempo para concluir os assuntos da graduação. Deixou o emprego, e com isso, teve que enfrentar maiores dificuldades, os comerciantes não se agradaram com a ideia de ter que acertar os direitos. Nessa época, teve que iniciar um processo judicial.

No segundo semestre do quarto ano do curso, também conta que prestou um concurso de sua cidade para trabalhar como Nutricionista no serviço público de saúde. “Fui sem estudar, estava preocupada com o TCC, e fiz a prova apenas para conhecer os métodos de avaliação”, conta. Ocupada em concluir o curso, nem foi visualizar a lista de aprovados. Os amigos começaram a ligar parabenizando, havia passado em primeiro lugar, “Foi um momento único, enxergar meu nome na frente de todas as nutricionistas da cidade, que já atuavam na área”, relata. Mesmo depois de passar em primeiro lugar, não entendeu o que aconteceu, Carmela conta que nunca foi comunicada sobre a vaga, e ninguém a contatou para questionar seu interesse, “Mantiveram a mesma profissional que já estava”.

Se formou aos 21 anos, ao final do ano de 2014 e em março de 2015, entrou no baile de gala com seu vestido reluzente! “Não tinha dinheiro para comprar o vestido, mas emprestei”, conta. Foi um momento marcante de sua vida. Seus colegas diziam “ela não anda pelo salão, ela pula!”. Após cumprir todos os estágios do curso, alega que a Nutrição clínica foi onde se encontrou. Gostava de receber os pacientes, conversar, saber a raiz do problema e o que levava eles a se alimentarem mal. Se sentiu realizada, os professores diziam que os pacientes mereciam uma profissional como ela.

Depois de formada, se viu perdida, não sabia como começar, mas estava disposta a seguir em frente. Não tinha a menor probabilidade daquilo dar errado, e como disse em seu discurso de formatura, em que foi oradora “ ... seria um ser incompleto se não fosse nutricionista...”. Então as emoções não paravam por aí, estava segura para iniciar os atendimentos, mas não tinha como custear as primeiras despesas. Foi quando decidiu atender a domicílio e conseguiu algum dinheiro para imprimir alguns cartões de visita. Alguns interessados começaram a aparecer e isso a motivou a seguir em frente. “Eu estava tão empolgada com o meu primeiro atendimento fora da universidade que acabei me esquecendo de cobrar a consulta”, conta aos risos.

À medida que procurava clientes, não descartava a possibilidade de encontrar um emprego em alguma empresa, pois não sabia quanto tempo demoraria para conseguir viver apenas dos atendimentos. Foi nesse período em que foi chamada para trabalhar numa empresa em outra cidade, São José dos Campos, há cerca de 90km da cidade Natal. Conta que passou numa entrevista com mais de 15 nutricionistas, com mais currículo e mais tempo de carreira, mas o empresário alegou “Quero você trabalhando aqui”. Como a empresa estava no início, Carmela iniciou prestando serviço com algumas horas semanais, e em pouco tempo essas horas foram dobradas. Como não tinha carro próprio, ia até São José todas as semanas pelo transporte público, e demorava 1h30 para chegar até a rodoviária e mais 1h dentro da cidade para chegar até o bairro onde trabalhava. Com tudo isso, perdia 5 horas de viagem todas as vezes que se deslocava para lá, “Era cansativo, mas eu vi nisso uma oportunidade de continuar os estudos”, e foi quando começou a fazer a pós-graduação em São Paulo em “Comportamento Alimentar”.

Em Campos do Jordão, estava conseguindo aumentar seu número de clientes, foi quando percebeu “preciso de um local fixo para atender”. Não tinha dinheiro para custear um aluguel sozinha e nem mobília, foi quando conheceu uma dona de academia que ofereceu dividir sua sala em troca do percentual das consultas realizadas. Com negócio fechado, Carmela foi atrás de alguns móveis usados, juntou uma cadeira aqui e outra lá, reformou e colocou na sala cedida. Conta aos risos que passou papel adesivo branco em uma mesa velha para iniciar os atendimentos. Em alguns meses, sua clientela foi dobrando, triplicando, e conseguiu se mudar para um local próprio e custear sozinha um aluguel. Comprou alguns móveis, apenas o necessário, mas já tinha um “gostinho” especial, pois eram seus.

O local novo não era perfeito, ainda estava longe do que queria conquistar, mas ao menos tinha uma sala razoável, num prédio antigo da cidade, e o aluguel era barato. Assim, foi investindo em divulgação e os pacientes continuaram a aumentar. Quem já tinha ido mandava o amigo, o irmão, e a propaganda “boca a boca” começou a tomar uma maior dimensão. Enquanto isso, em seu emprego de São José, Carmela estava colocando em prática alguns talentos “jornalísticos” que achava que nunca seriam utilizados. Começou a gravar vídeos para a publicidade da empresa, escrever colunas, artigos sobre alimentação saudável, e a empresa também foi crescendo.

Carmela conta que a especialização uniu todos os conhecimentos os quais mais admirava, pois conseguiu enxergar na Nutrição técnicas e estratégias para modificar a vida de alguém, conseguia trazer mais autoconfiança, autoestima, liberdade na alimentação das pessoas que iam até seu consultório. Começou a pesquisar e conhecer mais sobre psicologia, o que ajudou a criar técnicas para atender melhor. Paralelamente a especialização, Carmela continuou estudando e realizando cursos, frequentando congressos.

Foi quando surgiu a oportunidade de mudar de consultório novamente, sua irmã Taciana, estava querendo montar um escritório de advocacia e precisava de alguém para dividir o valor do aluguel Em menos de um ano depois de formada, Carmela estava no consultório num prédio melhor, bem localizado e bem conceituado na cidade. Mal pôde acreditar, no período também conseguiu realizar projetos pessoais, viajou e comprou seu próprio carro com os rendimentos da profissão.

Conta que nesse período se descobriu empreendedora, capacidade que não imaginava possuir, mas começou a enxergar que com algumas técnicas diferenciadas, conseguia fazer os pacientes chegarem até ela, conseguia fidelizar clientes, fazer parcerias com outros profissionais. Começou a visitar médicos, fisioterapeutas, comerciantes e oferecia parcerias em troca de indicação. Em pouco tempo, começou a ficar conhecida, e não precisava mais de tanto esforço para lotar a agenda. Comparada a época que atendia a domicílio, quando tinha 1 ou 2 pacientes por semana, Carmela passou a atender 8 pacientes por dia.

Nesse momento, a empresa de São José dos Campos também crescia, e o empresário ofereceu para que Carmela abandonasse a cidade natal e fosse viver lá, onde cumpriria 40 horas semanais na empresa. Percebeu que não precisava mais de outros empregos e só a renda de seu consultório era suficiente.