Atuando em um grupo de dança de Pinda, o bailarino João Vitor Amarante conta como enfrenta os desafios da carreira artística
“Me sinto bem. No começo, é duro, mas quando começo, me esqueço de tudo, e é como se eu desaparecesse. Sinto algo mudando dentro de mim, como um fogo no meu corpo, e fico lá, voando como um pássaro. É como a eletricidade", essa é a reposta do garoto Billy Elliot, personagem principal do filme de mesmo nome lançado pela Universal em 2000, que conta a história do menino inglês de onze anos que deseja ser bailarino, mas que precisa enfrentar o preconceito por parte da família. No longa, durante um teste, é assim que ele descreve como se sente enquanto dança. A história fictícia é facilmente confundida com a realidade.
Ingra Lombarde
João Vitor Amarante, de 17 anos, mora em Pindamonhangaba (SP) e tem enfrentado um longo caminho por não querer ceder à pressão social e seguir o sonho de ser bailarino. Ele conta que sempre foi uma criança curiosa e, aos sete anos, já sabia do seu gosto pela dança. Ainda na infância enfrentou sua primeira barreira. "Nessa época, pedi à minha mãe para que me colocasse nas aulas de balé, mas o pedido foi recusado por motivos de machismo e preconceito". O jovem explica que sua família é tradicional e entende que os homens devem ter outra profissão, mas João Vitor garante que, mesmo existindo tais conflitos, o auxílio dos pais existe. "Minha família, mesmo que preconceituosa, nunca me deixaria desamparado, por mais que a minha decisão tenha sido a que eles não queriam", diz o jovem.
Se comparado a países como Alemanha, Rússia e Itália, onde existem salas e salas repletas de bailarinos ensaiando, no Brasil, a exclusão de meninos nas aulas de balé segue a passos rápidos, pois, além da resistência social, as oportunidades são poucas. A consequência dessa situação é a quantidade de jovens que abrem mão de um futuro profissional na dança. Apesar do início conturbado, o bailarino João Vitor começou a dançar aos 15 anos e segue nessa escolha por amor. "A arte é incrivelmente transformadora, e a dança, como arte, me fez livre", conta o pindense.
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| João Vitor durante uma apresentação no ano passado / Arquivo pessoal |
Entre outros desafios de vivenciar o balé como profissão, o dançarino esclarece que o convívio estreito com pessoas de personalidades extremamente distintas é uma tarefa diária. "No mundo da dança não pode existir egocentrismo, principalmente quando se trata de um grupo ou companhia, mas isso é o mais existe. Muitos bailarinos são capazes de arruinar o outro só para se sair bem".
Quando questionado sobre qual conselho daria para os outros jovens que desejam firmar os pés nos palcos, João Vitor sugere deixar de lado o receio de serem discriminados. "Faça o que te faz feliz. Tento mostrar que as metodologias do século passado são retrógradas ao mundo atual, a desconstrução de pré-conceitos é a melhor forma de entender o próximo", frisa o bailarino, ressaltando que é preciso existir mais visibilidade e acesso, para que, o balé ou qualquer outra expressão artística não seja mais vista com maus olhos. "A abertura de mais locais para apresentações e a inserção da cultura na vida social das pessoas seriam de grande ajuda".
Atualmente, João Vitor faz parte do grupo de dança Complexo Contemporâneo de Pindamonhangaba, treina aos sábados, conciliando com os estudos, afinal, além do balé, ele visa cursar uma faculdade na área de biociências. "A Medicina me fascina desde que eu me entendo por gente, mas quero sempre estar apto para a dança também". O bailarino conta que se mantém atualizado assistindo a vídeos de companhias e dançarinos que admira, indo a apresentações, e define que sua motivação em continuar dançando é a possibilidade de ter liberdade de expressão. "A dança permite mostrar quem somos por, simplesmente, trabalhar com movimentos que vem direto da alma".
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| O bailarino acredita que o futuro reserva um meio artístico sem imposição de gêneros / Arquivo Pessoal |
E não muito diferente do que se vê no filme Billy Elliot, a expectativa é que João Vitor e tantos outros jovens dançarinos encontrem seu lugar no universo do balé, onde sejam respeitados, aceitos e reconhecidos pelo seu trabalho. “Realizado. Extasiado. Amado, e transmitindo amor. É uma sensação muito reconfortante estar no palco e poder passar aos espectadores as mensagens lindas que a dança carrega", essa é a resposta de João Vitor para a mesma pergunta que foi feita para o garoto do filme. Enquanto isso, o dançarino se apresenta aqui, no presente, mas mantém os olhos no futuro, vislumbrando um contexto com mais aceitação, apoio e tolerância para as próximas gerações de bailarinos. "Desejo ver uma dança que não tenha restrições de gênero. Desejo ver a dança e a diversidade andando juntas".


