Profissional fala sobre a crise na saúde brasileira

Dirigente de Conselhos de Medicina explica os motivos que fizeram o SUS se tornar um grande problema e sugere mudanças


O experiente pediatra e gastronutrólogo Ciro Moura, de 66 anos, não imaginava se tornar uma referência na área quando começou na Faculdade de Medicina de Taubaté, em 1970. Nascido em Analândia, no interior de São Paulo, ele se tornou o primeiro médico da família e diretor do Hospital Universitário de Taubaté.

Por: Túlio Correa

Doutor Ciro Moura é professor de medicina da Unitau.
Hoje, ele atua em seu consultório no Vale do Paraíba e leciona na Unitau e na Universidade de São Paulo. Com muita experiência, nunca parou de estudar e é um grande defensor de mudanças políticas na administração da área médica estadual e nacional.
Ele acredita que é necessária uma mudança na maneira de pensar e investir em saúde no Brasil e repudia o envolvimento de políticos na administração da saúde. O médico defende um maior envolvimento de profissionais para recuperar a Medicina que passa por uma grande crise.

Como você avalia a situação da saúde no Brasil?

A saúde do Brasil não é diferente a de outros países, o problema é um viés de confusão entre política de saúde e política na saúde. Nos últimos 15 anos, os políticos interferiram muito e por isso houve um desaparelhamento de sistema público que funcionava muito bem. Isso, para alguém como eu que está vivendo há 45 anos no serviço público, é possível notar que houve uma degradação, e não é culpa de médico ou profissional de saúde. O problema é a falta de condições que se dá para o exercício correto da profissão. Após 2002, foram realizados trabalhos que mostram que houve uma diminuição de 13 mil leitos do SUS e deixou-se de investir R$ 125 milhões nesse período acumulado. Por causa disso, os hospitais públicos estão nesta situação ruim.

O que você acredita ser a causa dos problemas da saúde no país?

Doutor Ciro acredita que faltam profissionais competentes 
para orientar os estudantes de medicina.
Má administração. O Sistema de Saúde Única (SUS) quando bem administrado é muito viável, mas houve uma defasagem na correção das tabelas, com isso você não consegue fazer com que o hospital se sustente. Quando o SUS foi feito, ele deveria ser exemplo para o mundo inteiro e quem teve a ideia deste plano era extremamente capacitado e depois, com o tempo houve, essa degradação, por causa da política envolvida na saúde. Então, hoje em dia, os dirigentes criam as Unidades de Pronto Atendimento, por exemplo, que são um desastre para se obter o segmento longitudinal, que é o
aprofundamento nos sintomas da doença. Uma dor de cabeça, por exemplo, pode ser um tumor no cérebro, mas, como nos pronto-atendimentos cada dia um médico é responsável pelo plantão, não há um acompanhamento do paciente. Isso que destruiu o SUS. No passado, a criação dos sistemas de ambulatório eram estimulados, e é o que fazemos na faculdade de Medicina atualmente, porque é a maneira de ensinarmos ao aluno a fazer o que é melhor para o paciente, que é acompanhar a progressão do caso. Por outro lado, esse modelo de pronto-socorro é empurrar a doença do paciente com a barriga, muitas vezes até por falta de equipamento nestes locais, que não condizem com o que o próprio Conselho Nacional de Medicina considera ideal.

O que você acha que deve ser feito para recuperar o SUS?

Que esses dirigentes parem de fazer política na saúde e deixem os profissionais competentes fazerem o que é preciso para melhorar a saúde. Os profissionais da Secretaria de Saúde são muito capacitados, diferente do Ministro, por exemplo, que possui conhecimento político e não técnico, e isso não é adequado.

Os alunos de Medicina estão recebendo a formação adequada para se tornarem bons médicos?

Não, estou convencido que a Medicina é para poucos. O que aconteceu, desde a época da Ditadura Militar, houve uma explosão de escolas de Medicina sem a existência de um docente adequado para ensinar. Então, o que aconteceu, inclusive com Taubaté, foram profissionais com pouco conhecimento técnico, ensinando estudantes de Medicina. Os alunos precisam de exemplos para incentivar e servir de espelho para que o estudante obtenha sucesso.

A entrada de médicos estrangeiros é positiva para o país?

Acho ridículo, primeiro que o país está repetindo o que a União Soviética fazia na época da Guerra Fria. Cuba forma em torno de 200 médicos por ano, o que é pouco, por isso eles estão mandando para o Brasil profissionais com uma formação parcial em Medicina, como técnicos de saúde, por exemplo, e os médicos cubanos que realmente vieram já foram embora. O país passa por um grande problema na formação dos médicos, que é incentivar a aplicação de medicamentos e falta o fundamental que é o diagnóstico, por isso esses profissionais cubanos conseguem atuar por aqui.

Qual país que o Brasil deveria seguir exemplo para recuperar a Medicina?

Canadá. Já fui três vezes para lá e é onde você recebe a melhor assistência médica social do mundo, que Suíça e Suécia também fazem bem. No Canadá, tudo é estatizado, quando algum médico comete um erro, ele não é punido, ele é levado para um hospital universitário, passa por uma reciclagem, trata o médico se eventualmente ele estiver passando por um problema social e, depois de recuperado, ele retorna no mesmo local onde estava. Para encontrar os profissionais com problemas eles usam uma técnica simples: são mapeados os locais onde há uma fuga de pacientes e assim detectam as irregularidades. Isso é uma reeducação o que é muito importante e é diferente de punir. Na Europa e Canadá existe outra filosofia na formação e manutenção do médico. E aqui perto, no Chile, a Medicina é de alto nível e é tudo público.

Por que você acredita que haja tanta desigualdade na qualidade dos hospitais brasileiros?

Não existe desigualdade técnica, existe diferença de recursos, mas não existe diferença na qualidade dos médicos, inclusive na rede pública tem médico melhor que na rede particular.

Você quis fazer outra coisa antes de ser médico?

Não, nunca quis fazer outra coisa, se fosse para começar hoje, eu começaria tudo de novo.