Professora aposentada faz parte da história de Paraisópolis

Aos 93 anos, ela tem como lema de vida sempre retribuir o bem que cada um lhe faz, com a certeza de que nasceu para servir

Muito bem humorada, Maria de Barros Magalhães, aos 93 anos de idade carrega muita emoção nas palavras. O sorriso e a gentileza admiráveis sempre foram bagagens que a acompanharam.

Por Gioconda Barros

Foto: Mariana Moura
Nascida em Paraisópolis, uma pequena cidade do Sul de Minas Gerais, ela já viajou bastante, mas ainda sonha em conhecer Portugal, país pelo qual é apaixonada.
A professora aposentada não é apegada à tecnologia e gosta do contato físico, de uma ligação, de uma visita. Contudo, entende que a internet ajuda a aproximar as pessoas. A mineira começou a carreira como aluna e foi se apaixonando pelo mundo escolar. Cursou o ensino primário, depois fez o ginásio na Escola Estadual Antônio Eufrásio de Toledo.
Seguiu para o magistério no colégio das Irmãs Doroteias e ainda fez uma complementação no curso de formação de diretoras, em Belo Horizonte. Também se dedicou ao ensino voluntário de música como organista, lecionando o instrumento a quem quisesse aprender. Morando no centro da cidade, atualmente ela leva uma vida tranquila e diz ser amante do frio.

Por que escolheu e quando começou a se dedicar ao universo escolar?
Dona Maria – Quando as irmãs do Colégio Santa Ângela vieram pra cá, elas já precisavam de gente para trabalhar, então me convocaram. Eu entrei como professora de Educação Artística e Matemática, depois fui trabalhar no Grupo [Escola Municipal Bueno de Paiva] como professora. Quando fiz curso em Belo Horizonte, eu já voltei como diretora. O ex-presidente Juscelino Kubitschek tinha sido nosso paraninfo, então ele me nomeou. Daí, trabalhei uma época em Araguari (MG) como professora de Psicologia e encarregada da higiene mental da turma. Depois que eu saí de lá, fui convocada pra fazer um trabalho pelos americanos, lá na Paraíba. Fiquei lá um ano. Depois, voltei e continuei só no Colégio. E fiquei até os meus 80 anos. Quando fiz 60 anos, o INSS me aposentou e pôs assim: “Motivo: velhice”. Eu falei: “Eu quero mostrar pra eles que eu não sou velha”. E trabalhei mais 20 anos.

Quais outros cargos ocupou enquanto educadora?
Fui inspetora regional. Trabalhei na Delegacia de Ensino em Itajubá. Eu ainda dava aula aqui no Colégio e era inspetora e ia lá também prestar serviço na área de Linguagem, dava [a disciplina] Língua Pátria.

Qual a maior diferença entre a educação no passado e atualmente?
A educação no passado era muito melhor. A gente tinha ascendência sobre os alunos. Os alunos obedeciam e eram mais humildes. Um dia desses, eu estava sentada na praça, passou um homem velho: “Oi, dona Maria! Como é que vai a senhora? A senhora lembra de mim?” Tinha sido aluno. Então, eles respeitam até hoje. Quando eu saio, passam e me cumprimentam. Perguntam como é que eu estou. Isso tudo é resultado [da boa educação do passado]. Os alunos hoje dão pontapé na parede, nos professores, eu fico boba de ver. Tenho muita amizade com os professores, eles contam pra mim as coisas que passam hoje. Eu fico triste, porque a educação caiu demais.

Qual episódio da sua carreira lhe causou mais emoção?
Não lembro. Toda vida gostei, todo dia era diferente, era bom. Essa época, por exemplo, que eu trabalhei em Araguari, um dia as moças vieram chorando [de emoção] perto de mim por causa de coisas que eu falava pra elas, que eu fazia com elas. Até hoje tem umas que encontram, que escrevem, mandam lembranças e tudo. Então, isso tudo ajuda. Sou feliz porque fiz o que eu quis. 

Realizou muitos sonhos enquanto se dedicava como professora?
Eu sempre fui muito religiosa, sempre fui também além de professora. Era catequista de Crisma. Então, eu sempre gostava de estar de um lado e do outro também. E sinto até hoje não estar mais na Crisma.

Como eram os materiais usados nas salas de aula?
O ensino era muito melhor antes das apostilas. No começo do ano vinham aqueles viajantes que traziam os livros pra gente escolher. Então, a gente escolhia qual a gente achava que ia dar mais resultado. E o menino tinha o livro do começo do ano até o final. Tinha livro de Português, Matemática, Física, Química. E dava conta de tudo. Hoje, vem apostila que o menino tem que aprender tudo correndo porque senão já vem outra apostila. Acabou o bimestre é outro material. [Antigamente] era tudo feito em conjunto: diretor, professor e orientador. Todo mundo junto trabalhando.

Quais valores sua mãe lhe passou, para que praticasse sempre o bem e se envolvesse com a escola?
A minha mãe era uma mulher muito caridosa, muito boa e muito alegre. Tudo isso ela passou pra mim.

Quando começou a paixão pelo órgão?
Desde pequena. Minha mãe era pobre e ficou viúva muito nova. E a mamãe tocava piano, minha vó tocava piano. E ela [mamãe] tinha muita vontade que eu aprendesse, mas ela não tinha dinheiro pra pagar. E a minha prima, a Branquinha, ela mora em Itajubá, vinha estudar piano e pedia pra eu vir junto com ela. E esse professor dela era parente nosso. Então, um dia ele foi lá em casa, falou pra mamãe: “Olha, Almehy, eu vou ensinar piano pra Maria”. Mamãe disse assim: “Ah não, Zezé, agora não, porque eu não tô podendo pagar. Mas eu também quero que ela aprenda”. Daí ele disse assim: “Não, mas eu não vou cobrar nada. Porque a Maria vai junto com a Branquinha e ela aprende antes”. Mamãe disse assim: “Se você ensinar...” E ele me ensinou piano sem cobrar nada, coitado.

Foto: Gioconda Barros
Como a senhora acredita que é vista pela população de Paraisópolis?
Hoje, eu vejo aqui na autoescola [ao lado de onde mora], tem uns rapazes muito bonzinhos. Eles dizem: “Oi, dona Maria! Como é que vai a senhora?”. Tem um muito bom que chega perto de mim, fica sentado, conversando, às vezes nos intervalos de serviço dele. Isso tudo me alegra, me ajuda. Passa uns rapazes aí: “Oi, dona Maria!”. Isso tudo vale.

O que a senhora diria, se tivesse oportunidade, para todas as pessoas que escolheram a educação como carreira?
Sejam bons alunos! Não judiem dos professores.

Quando deu por encerrada a carreira?
As irmãs do colégio sempre vêm aqui, ontem mesmo elas estiveram aqui. Às vezes, elas vêm pedir qualquer coisa, orientação. Então, eu fico aqui à disposição.