Mulheres Maravilhas SeTornam Cada Vez Mais Reais

''Piii... Piii... Piii...'' Não é nada fácil acordar com o barulho do despertador às cinco horas da manhã, depois de ter esperado um dos filhos chegar em casa de madrugada. De chinelinho e pijama, levanta da cama depois de acordar com um pulo, pois tudo naquela casa gira ao seu redor.


Por Hellen Souza

Com os olhos ainda sonolentos, caminha instintivamente até a cozinha para fazer a 'mágica': transformar a água da torneia em café. Enquanto o canecão está no fogo, ela vai ao quarto, no meio da residência, acordar o ‘senhor balada’: luz acesa, puxão no cobertor e logo vem a frase inevitável: “Só mais cinco minutinhos!”
Água fervida, coador. Agora, é a vez do leite. “Esqueci minha toalha!”, escuta os gritos do banheiro, em seguida volta ao quarto, pois é hora de acordar a pequenina, a caçula da família. Já no cômodo no final do corredor, chama o marido que ainda dorme: “Bom dia meu amor! Vamos? Sua roupa está passada e pendurada no cabide, te espero para o café”. Enquanto todos se aprontam, a mesa já está arrumada: com leite, achocolatado, cereal, café, torradas e manteiga. Todos devidamente alimentados, enquanto marido e filhos escovam os dentes, restam 15 minutos para sair, é a vez de se arrumar. Coloca a primeira roupa que vê - uma combinando com a outra - cabelo curto, para facilitar o processo, salto alto e bolsa. Além de mãe, também é motorista da casa e deixa todos da família pelo caminho, no trajeto para o trabalho. Entre os intervalos de um sinal vermelho e aproveitando o trânsito parado, passa o batom e o lápis, buscando uma aparência de férias e bochechas rosadas. No trabalho, reunião com os anunciantes, Excel, Power Point, almoço com o novo cliente, fechamento do mês... Acredite: isso foi só o começo!
Se você se identificou com a descrição acima, saiba que mais de 60% das mulheres brasileiras se encaixam nesta rotina. Cuidar da casa, dos filhos e ainda ser uma profissional exemplar faz parte da vida feminina do século 21. Estudos apontam que este número vem crescendo em larga escala. No caso de mulheres chefiando famílias brasileiras também não é diferente: dobrou em duas décadas, de 18% em 1998 para 39% em 2010.
 “Logo quando me casei, tive que procurar um emprego, pois meu marido na época não ajudava nas despesas de casa”a administradora Renata Sales de 37 anos,explica como se tornou uma chefe de família. Hoje mãe solteira, vive com seus filhos Bárbara de 18 anos, Nicolas de 9 anos e com sua mãe Vandete de 58 anos, aposentada, que ajuda com os afazeres domésticos. O caso de Renata é muito frequente entre as mulheres, a maioria se torna chefe de família quando o marido está desempregado ou quando passa por um processo de separação. Outras também trabalham para complementar a renda do lar, como Lucicleide da Silva, 31 anos,  mãe de João Paulo, que recebe ajuda do seu ex-marido, mas mesmo assim trabalha como empregada doméstica durante a semana. Já a funcionária pública Soraya Joly, 54 anos, mãe de Yasmin, engravidou na juventude, e sempre cuidou da filha sem ajuda financeira do ex-companheiro .
Boa mãe, esposa e excelente dona de casa são adjetivos ligados ao gênero. Mas não é nada fácil quanto parece. Segundo pesquisas, em uma semana, cerca de 30 horas da vida das mulheres são destinadas a afazeres domésticos e 44 horas ao trabalho remunerado “Não é fácil ter que fazer tudo, acho que nenhum homem daria conta como nós (mulheres). O esforço está em nosso DNA” acrescenta Soraya. Mesmo trabalhando tanto, a diferença entre salários dos gêneros masculino e feminino ainda são desiguais. No setor público, por exemplo, mesmo ocupando cargos iguais, os homens chegam a receber  aproximadamente 30% a mais que as mulheres.  A pesquisa relata que a sobrecarga de tarefas em casa é um dos obstáculos que as mulheres enfrentam para participar dos poderes públicos.
Outro grande problema atual na sociedade, é a falta de creches, merenda e transporte escolar, facilidades que poderiam ajudar essas mulheres a alcançar as oportunidades e dar-lhes mais tempo para se dedicarem á vida profissional. Renata diz que se não tivesse sua mãe para auxilia-la em algumas tarefas, seu dia seria ainda mais corrido. “Um dos momentos mais difíceis para mim, foi quando comecei a estudar. Acordava às quatro horas da manhã, para trabalhar e dormia à uma da manhã, quando chegava da faculdade” lembra a administradora.
Infelizmente, por trabalharem e serem donas de casa enfrentam ainda grandes problemas, como o assédio sexual em algumas empresas. Muitas alcançam patamares difíceis de serem ocupados por mulheres, mas logo os deixam por problemas com o chefe, por recusarem um convite para jantar ou não aceitarem condutas indevidas. Alguns homens não as veem como colegas de trabalho, e acabam passando dos limites. Elas também sofrem preconceito quando dizem ao sexo oposto que trabalham e sustentam seus lares. “Ser independente aos olhos dos homens é algo ainda a ser tratado, nós não queremos ocupar os lugares masculinos, de jeito algum! Só queremos ter nossos direitos e nosso respeito perante a sociedade”, esclarece Lucicleide.
Em 1960, a lei brasileira reconhecia o perfil de chefe de família como caráter masculino, sendo a esposa incapaz de ter uma vida além dos afazeres domésticos. Era responsabilidade do marido decidir pela esposa, que só poderia trabalhar com sua autorização. Só em 1988 a Constituição afirmou que todos são devidamente iguais, independente do gênero. Mas as estatísticas comprovam que no dia a dia ainda falta um longo caminho a ser percorrido para garantir a igualdade.