Um pedalar de notas musicais

Como um artista da música erudita, “amante” do ciclismo, mas casado com um violão vive a vida de um funcionário público

Por Mateus Fernandes

O abraço e o carinho são de um afeto muito antigo. São 12 anos juntos. De corpo bem distribuído, com cintura e quadril feitos no capricho é tratada pelo amado com muita mordomia. Tem seu canto especial de sossego, fechado a sete chaves. A espanhola que cativou Revanil foi concebida em uma grande troca. O violão espanhol, “xodó” do artista trocou com um amigo sem saber que lucrou e muito com o negócio. Mas quem realmente lucrou foi seu coração.

Aos 47 anos, Revanil Dias da Rosa em seu habitat natural, possui centenas de elementos que compõem sua história. O Violão está encostado a parede de uma sala agradável com sofás macios e beges, acompanhados por uma latão de leite e um regador antiquíssimos restaurados. O relógio de parede com a Torre Eiffel e os dvd’s do Tour de France, ajudam a entender um pouco mais sobre o atual Revanil.

De cabelo preto bem repartido, e um sorriso que sempre o acompanha, o violonista é uma mistura de austeridade, com esportividade. Natural de Campos do Jordão Revanil teve seu coração roubado pelo violão quando tinha 16 anos. Mesmo ouvindo o irmão mais velho cantar música sertaneja, foi com em uma missa na Igreja Matriz da cidade que Revanil ouviu uma irmã franciscana apresentar uma peça erudita. Eufórico correu ao amigo de escola Carlos Gouvêa para que o ensinasse. Mesmo aprendendo o básico ainda não era o suficiente, para tocar o Revanil realmente queria. Decidiu esperar.

Depois de ser aprovado em um concurso municipal como funcionário público, agora com estabilidade econômica o artista decide investir no que gosta. E em 1989 ingressa no Conservatório Dramático e Musical Santa Cecília, de Pindamonhangaba. De lá pra cá se especializou em Villa-Lobos e Dilermando Reis, e se apresentou profissionalmente em grandes eventos de música erudita na região, como o Festival de Guaratinguetá.

Arriscou tocar em restaurantes na noite, mas nunca se encontrou, nunca achou que era algo para ele. “O artista tem que competir com o prato do dia. É uma coisa estranha, as pessoas vêm e vão embora, e você fica lá dando o melhor de você.” Revanil é muito grato ao emprego que proporciono-o a se dedicar a música, mas apenas vivendo para ela e não vivendo dela. “É difícil ver muitos amigos com um talento absurdo não conseguirem viver da sua arte, porque a música não lhes deu dinheiro”.

Os gostos de Revanil beirão Villa Lobos, DiIermando Reis, Guinga e Paulo Marteli, no erudito e João Bosco, Bossa Nova e toda a mágica da mão direita de Toquinho, no popular. O que não limita o violonista a ouvir de tudo. “Ouço desde AC/DC até Sting, Ástor Piazzola, Panic at the Disco”.

Se perguntado sobre o que perde uma pessoa que nunca pensou em ouvir música erudita, Revanil quase não pensa. Emenda logo de cara sua resposta. “Perde a oportunidade de ampliar sua sensibilidade, de tentar alcançar um equilíbrio emocional”. Para ele falta iniciativa de professores e de uma política educacional para que o erudito seja comtemplado e disseminado entre as crianças na escola.

Mas, não só de música que vive Revanil.

A ligação do violonista com outra paixão começou num assalto. O artista tinha uma bicicleta comum de 200 reais, que acabou sendo roubada. E em uma troca de palavras tristes, com um amigo dono de bicicletaria sobre o roubo o amigo lhe ofereceu uma nova por um preço um tanto acima do normal. “Ele queria que eu comprasse uma bicicleta profissional de corrida, por 1800 reais. Relutei, mas acabei convencido e comprei. E agora eu tinha uma bicicleta profissional e tal, tinha que começar a usar.”

Desde então não parou de pedalar mais. São cerca de 25 quilômetros por dia. Em um ano comprou outra bicicleta de quatro mil, e no outro ano uma de sete mil. “Estou deixando de tocar para pedalar [risos].” O romance se tornou tão intenso que Revanil tem grandes planos para o futuro. “Pretendo disputar uma etapa para amadores do Tour de France”, um dos maiores e mais tradicionais campeonatos de ciclismo do mundo. “Estou até aprendendo francês”.

Ele completa nossa conversa agraciando minha visita a sua casa, com um concerto particular. Entre os inúmeros pensamentos e impressões que circulam pela cabeça de quem presta atenção em Revanil tocar, prefiro relata o sorriso singelo e verdadeiro de um artista que ao errar um acorde,  esbanja simplicidade e humildade de quem deixou o perfeccionismo de lado,  procurando ser feliz vivendo para arte.


“O que é “arte” Revanil?”


“Arte é expressão. É o que nos difere dos outros animais”.