O contraste olímpico: atletas voltam a destacar falta de apoio e estrutura no Brasil

Olimpíadas de Paris destacaram, novamente, desafios na luta dos brasileiros por conquistas expressivas

Por Daniela Alves (*)

Caio Bonfim conquistou uma inédita medalha de prata na Marcha Atlética (Foto: Alexandre Loureiro / COB)

A conquista de uma medalha olímpica é o grande sonho dos atletas de alto rendimento, que se dedicam durante anos em busca da possibilidade de buscar um lugar no pódio do maior evento esportivo do mundo. A realidade de muitos no Brasil, no entanto, mostra dificuldades ainda maiores do que as já aparentes, dadas aos constantes problemas de estrutura e investimento. 

Em Paris, os resultados só evidenciaram o que já vem sendo debatido durante anos: as modalidades brasileiras além do futebol carecem de atenção. Em 2024, o Brasil conquistou apenas três medalhas de ouro, menos do que a metade das Olimpíadas de Tóquio, em 2021, e do próprio Rio de Janeiro, em 2016, quando em ambas o país chegou ao topo sete vezes. 

“Eu brinco que o Brasil tem dois esportes. Um é o futebol e o outro é ‘o que está ganhando’. Se você quer aparecer, tem que estar nesse outro [...] Mas eu sou brasileiro, não desisto, é na raça”. Para a TV Globo, a fala de Caio Bonfim, medalhista de prata na Marcha Atlética em Paris, repercutiu ao mostrar a indignação do atleta com a disparidade de atenção e espaço dados para o futebol e demais modalidades. 

De onde vem o investimento, afinal? Grande parte das verbas saem de programas do governo, como Bolsa Atleta, Lei do Incentivo ao Esporte, Programa Atletas de Alto Rendimento e Lei das Loterias. No entanto, projetos como esse primeiro focam, prioritariamente, em atletas que já possuem certa visibilidade. 

Além das verbas públicas, os investimentos privados acabam fazendo diferença. Mas, assim como em outros casos, claramente são oferecidos a atletas com maior destaque – e mesmo assim estão em falta em diversos esportes. Para a TV Globo, o pai de Caio, Gianetti Bonfim, contou que fez a própria família investir no atleta. “Essa medalha é resultado do investimento da família. Eu fiz vaquinha, não vou negar e dizer que sou o ‘bambambam’. Não vou esquecer que a CBAt [Confederação Brasileira de Atletismo]  ajudou, nesse que é o ano olímpico, os quatro anos, tivemos ajuda do COB [Comitê Olímpico do Brasil], de tudo. Mas o Caio precisa de patrocinador, ajuda da rede privada. Não faz mal. Qual é o problema de ele ter 15 patrocinadores? Até agora ele não tem nenhum”. 

Essa situação, aliada a falta de visibilidade da maioria dos esportes – além do futebol e vôlei, por exemplo – afetam diretamente os resultados nos Jogos Olímpicos. Enquanto os Estados Unidos, potência mundial que dedica parte de seus esforços para a formação de atletas, levou mais de 630 pessoas para competir em Paris, a delegação do Brasil levou 277.

Os números brasileiros podem ser observados na tabela abaixo: 

Ano

Local

Número de Atletas

Medalhas de Ouro

Medalhas de Prata

Medalhas de Bronze

Total de Medalhas








1984

Los Angeles

147

1

5

2

8








1988

Seul

174

1

2

3

6








1992

Barcelona

182

2

1

0

3








1996

Atlanta

225

3

3

9

15








2000

Sydney

205

0

6

6

12








2004

Atenas

243

5

2

3

10








2008

Pequim

277

3

4

8

15








2012

Londres

259

3

5

9

17








2016

Rio de Janeiro

465

7

6

6

19








2021

Tóquio

302

7

6

8

21








2024

Paris

277

3

7

10

20

Fonte: Comitê Olímpico Brasileiro e International Olympic Committee.


Flavia Saraiva, Rafaela Silva, Rebeca Andrade, Lorrane Oliveira e Isaquias Queiroz são atletas do Flamengo (Foto: Paula Reis / CRF)

O Flamengo, um dos maiores clubes do Brasil, conhecido principalmente pelo futebol, tem investido em projetos promissores e obtido resultados, como o caso de Rebeca Andrade, que se tornou a maior medalhista olímpica da história do país, e outros atletas. 

Nas olimpíadas de Sydney, em 2000, o Vasco, outro clube focado no futebol, investiu mais no esporte olímpico brasileiro do que o próprio Comitê Olímpico do Brasil. “O brasileiro não se liga muito em ver atleta dando 40 voltas em uma pista, mas, se você botar uma camisa do Vasco, do Flamengo, do Botafogo, todos vão querer saber o resultado. É isso que nós queremos”, relatou Eurico Miranda, então vice-presidente do Vasco, para a Folha de S. Paulo, em 2000. O projeto olímpico, no entanto, acabou sofrendo cortes por problemas financeiros e de gestão. Em 2024, pela primeira vez, o clube não levou nenhum atleta para as Olimpíadas. 

E a história vai além do alto rendimento: o Brasil carece também de investimentos para a formação de base. Segundo relatório divulgado pelo Ministério da Educação, a soma das escolas públicas que possuem quadras e materiais adequados para as aulas de educação física é de apenas 40,6% das instituições de educação básica. O FNE (Fundo Nacional do Esporte), por exemplo, era uma iniciativa para destinar recursos para a formação de base no Brasil. Em 2023, ele foi vetado por não haver previsão de receitas. 

A trajetória de Caio Bonfim e a experiência de clubes como o Flamengo e Vasco demonstram que o potencial existe, mas é necessário um esforço contínuo e um planejamento bem estruturado, além de um plano conjunto de iniciativas públicas e privadas.


(*) Sob supervisão e edição do prof. es. Caíque Toledo