Giovana Vasconcelos
Um choro de criança ecoa pela casa. Sua mãe está no meio da preparação dos doces que foram encomendados e têm hora de entrega. Ela para de mexer a massa, olha dentro do forno e conclui que a fornada de biscoitos está pronta. O bebê continua a chorar, então a mãe vai para o quarto, pega a menina no colo e a coloca no peito. A mulher corre para a cozinha, coloca a luva térmica apressadamente e, equilibrando a criança no colo, se inclina para retirar a forma do forno. A moça vê sua filha escorregar um pouco, e firma o aperto em volta da menina, soltando um arquejo quando sente a forma em sua outra mão queimar seu seio, mas segura o grito para não despertar a criança que quase dorme em seu colo. Essa é a vida diária de Jéssica, empreendedora e mãe, que começou negócio atrás de negócio após, no auge da pandemia, seu marido ficar desempregado.
Ela é uma em mais de 300 mil pessoas que possuem um emprego informal para gerar renda. O número de empregadores informais já era alto, mas cresceu ainda mais após a pandemia. Com a crise e o aumento do desemprego, a população teve que arranjar sua própria maneira de trazer sustento e cobrir as despesas da casa. Os empregos informais se popularizaram com o isolamento social, em que as pessoas ficaram cada vez mais dentro de casa e, impedidas de realizarem atividades externas, se concentraram em melhorar o ambiente interno. Por isso, entregadores de aplicativos e lojas de comida caseira se tornaram cada vez mais comuns em nossa realidade.
Trabalho informal é todo aquele que não conta com carteira assinada, direitos trabalhistas, auxílios de segurança social, como o auxílio-maternidade, auxílio-doença, entre outros. Ou seja, o emprego informal é aquele que não é regulamentado pelo estado.
Jéssica Ivo é empreendedora e atualmente trabalha com a produção de doces e salgados para sua loja Delícias da Jé. Jéssica já trabalhou com loja de bombons, de roupas e agora se mantém na produção de produtos caseiros. Após dar à luz a sua filha, Ana Júlia, ela manteve a casa com ajuda da família e, quando se recuperou do parto, deu início à loja Divina Modas, com roupas vindas diretamente do Brás, em São Paulo. Meses depois, ela fechou a loja de roupas e se voltou ao ramo alimentício. “Eu mudei de ramo por conta da pandemia que chegou junto da maternidade na minha vida", conta. "Clientes do ramo de vestuário querem novidades toda semana e no meio desse caos não tinha a menor condição de eu ir buscar mercadoria”.
Mesmo com o perigo da contaminação e o medo por sua filha recém-nascida, Jéssica saiu em busca de trabalho, mas ela diz que as tentativas não foram bem-sucedidas principalmente após descobrirem que ela se tornou mãe recentemente. “A demanda se torna muito maior e muito mais cansativa. Inclusive, numa entrevista de emprego, quando eu disse que sou mãe, até a feição da pessoa que estava me entrevistando mudou”, diz.
Vanessa Rodrigues também é empreendedora, ela vende trufas para complementar a renda da casa. Com o avanço da covid e o encarecimento de produtos por conta da inflação crescente, Vanessa afirma que escolheu o ramo alimentício porque é uma necessidade fisiológica da população. “Eu percebi que poderia crescer financeiramente com essas vendas e atingir um bom público, já que alimentação é prioridade das pessoas”, declara. A inflação também dificultou a vida e o trabalho de Jéssica. “Os preços mudam diariamente no supermercado, mas se eu mudar o meu preço final todos os dias, eu perco cliente”, diz.
É preciso entender que o que estamos vendo no presente é uma crise econômica, em que é ocasionado o desemprego conjuntural. Embora as taxas de desemprego no Brasil tenham sido sempre altas, a pandemia criou uma emergência mundial, e o corte de gastos e pessoal foi uma realidade enfrentada por muitos trabalhadores. Segundo o economista Paulo Raposo, a relação empregador-empregado nunca mais será o que conhecíamos antes. “O que acredito que iremos presenciar para os próximos anos é um relacionamento de contraprestação de serviços, contratados mediante um projeto que tem começo, meio e fim, cujo principal parâmetro de medição é a competência para realização dos objetivos propostos, pautados por uma relação de custo-benefício acordado entre as partes”, ele diz.Mesmo após o fim do isolamento social e das restrições, ainda é extremamente difícil encontrar um emprego na crise econômica em que o país se encontra. Os empregos informais são ótimas saídas em situação crítica, porém não substituem um trabalho formal com seus benefícios e auxílios. Ainda vale salientar que o preconceito acerca de mulheres e, principalmente, mães no mercado de trabalho é uma crença ultrapassada que atrapalha famílias que necessitam de ajuda para manter um lar funcionando e alimento na mesa para seus filhos, sem que seja necessário o desdobramento além das capacidades, passando muitas vezes por dificuldades com as crianças em casa.