O professor revolucionário de sua própria história

Carlos Felipe fechou os ouvidos para críticas alheias e seguiu até o fim para realizar seu sonho de ser historiador

Desde pequeno, os olhos curiosos do menino Felipe eram voltados para as particularidades da vida. Nascido em Guaratinguetá, mas morando desde que nasceu em Lavrinhas, no interior de São Paulo, ele era uma criança hiperativa que adorava desmontar e montar seus carrinhos. Sua casa de 1 metro e meio de muro, portão branco e porta azul, ficava perto da linha do trem que corta a cidade.

Por Débora Santos

Assim como a maioria dos moradores, ele costumava ver os vagões passarem por ali. Contudo o seu olhar ia além. Aos 10 anos de idade, 3 dias antes de se mudar pra Cruzeiro, cidade vizinha, Felipe percebeu que de um certo ponto do centro de Lavrinhas, ele conseguia ver uma rodovia (Presidente Dutra) e lá ficou por horas, observando os carros e ônibus passarem, pensando para onde eles iam e quem eram aquelas pessoas.

Já em Cruzeiro, morando com sua irmã, sua mãe que era policial civil e seu pai radialista, Carlos Felipe Francisco do Nascimento passou a ter a rodoviária da cidade como seu parque de diversões. “Desde criança eu nunca gostei de acreditar que a vida se limitava ao mundo pequeno de uma cidade do interior”, recorda Felipe que hoje, aos 38 anos, é historiador, professor e atual guia em turismo de Cruzeiro. 

Felipe costuma se vestir de soldado Constitucionalista
 para passeios no Túnel da Mantiqueira.
Quando estava na 5ª série, descobriu que queria ser professor de historia assistindo uma aula com o professor Dauri Tavares Pimentel. “Desde então eu lutei e fiz de tudo para ser”, conta ele com uma empolgação que veio à tona ao se lembrar do fato.

Como na época em que Felipe iniciou a faculdade não tinha curso de história em Cruzeiro e ele já fazia um curso técnico em mecânica, acabou optando pelo mesmo caminho na faculdade. Mas não estava satisfeito, afinal os cálculos nunca fizeram sentido para ele. Para sua surpresa e alegria, faltando 9 meses para concluir a faculdade de Processos de Produção em Mecânica, o tão sonhado curso de Historia chegou a Cruzeiro.Sem pensar duas vezes, Felipe trancou a faculdade se inscreveu para o vestibular de Historia. Resultado? Passou em primeiro lugar. 

Junto com a faculdade de Historia ele iniciou o curso técnico em turismo, o que abriu portas para Felipe estagiar no Museu Major Novaes, em Cruzeiro, e lá ele ficou por 16 anos. Neste trabalho, ele descobriu algumas coisas relacionadas a sua profissão e a si mesmo. Foi lá que ele teve o primeiro contato com a Revolução Constitucionalista: em um dia de trabalho uma bomba desativada de 32, rolou e bateu em seu pé. Curioso perguntou ao então diretor do Museu, Vicente Paulo Vale, o que era aquilo. Vicente lhe contou da guerra cujo Cruzeiro havia sido o palco. “Ele me falou do túnel, me contou a história do Capitão Neco e desde então eu comecei a pesquisar e me encantar pelo tema”, narra Felipe que fez da Revolução de 32 seu TCC. 

Atualmente, ele vê que ser guia é o melhor pra si. “Turismo é o emprego que eu mais amo, porque eu pego pessoas que nunca vi, levo, me divirto e ainda sou professor de história naquele momento”, conta feliz por ter o túnel da Mantiqueira como sua sala de aula e a cidade de Cruzeiro como seu grande museu. Para ele, ser professor é passar seu conhecimento, independente do lugar onde está.

Felipe, o viajante do tempo, já conquistou muitas coisas ao longo de seus 38 anos e inúmeras histórias foram marcantes pra ele como, por exemplo, a primeira vez que visitou o Obelisco em São Paulo, onde está enterrado o Capitão Neco; quando entrou para o MMDC; ou então quando recebeu a cidadania cruzeirense pelas diversas descobertas que fez da cidade e sobre a Revolução de 32.

Ele é um ser singular, ama se encarnar na Revolução quando vai ao túnel ou para eventos relacionados. Assim, ele veste sua réplica da farda dos soldados Constitucionalistas e tenta viver aquele momento com a máxima realidade. Infelizmente, como em cidade do interior tudo se comenta, muitos estranham Felipe por ele fazer isso. “Tem gente que acha que eu sou louco só porque eu estudo e trabalho a história da Revolução”, alega Felipe.

Hoje, ele tem cidadania Cruzeirense 
Contudo, de todos os contos que ouviu, o que ele sempre se lembra é de um que sua professora contou na faculdade de história: tinham seis sapos pra atravessar um lago e falavam pra eles que não iam conseguir. Cinco deles desistiram, um foi e voltou. “Quando perguntaram para o sapo como ele tinha atravessado, descobriram que ele era surdo”, narra Felipe que toma isso como exemplo quando alguém tenta desmotivá-lo.

Dar uma de sapo surdo funcionou. Atualmente, ele já conquistou diversas medalhas em reconhecimento ao seu trabalho, saiu em várias repostagens e participou de alguns programas de TV – mesmo não gostando muito de uma câmera. Ele também possui uma página de fotos históricas de Cruzeiro, no Facebook, com mais de 3 mil seguidores. Com tudo isso, Felipe não é só o orgulho de sua mãe, de seu pai, de seu padrasto querido que ganhou aos 27 anos ou de sua irmã, ele também é o orgulho de si próprio. Não por ele, mas sim pelo o que faz. Com o talento de descobrir e ensinar, ele mantêm a história da cidade viva, levando para as gerações de agora que passarão para as futuras.