De desacreditado a campeão, Antonio Leme supera as dificuldades para se tornar campeão inédito de bocha paraolímpica
“Nunca deixe de sonhar” é a frase que norteia o jacareiense de coração e campeão da bocha da categoria BC3 dos Jogos Paraolímpicos do Rio de Janeiro de 2016, Antonio Leme. “Acredite em si mesmo, nunca desista na vida e não dê ouvido às interferências” são algumas das premissas que levaram “Tó”, como é conhecido popularmente, a conquistar a medalha de ouro.
Por Emerson Tersigni
Antes de ingressar no esporte, o atleta literalmente fez valer os versos compostos por Charlie Brown Jr na década passada: “História, nossas histórias: dias de luta, dias de glória”. O dia 30 de julho de 1968 estaria marcado. Já se passaram 48 anos que uma recusa do médico em fazer o parto de Tó fizesse com que a família esperasse por anos o diagnóstico de paralisia cerebral. Ali começava um grande combate pela vida, e mesmo com o desencadeamento de grandes desafios, a perseverança e carinho para com o grande campeão desde o nascimento jamais estiveram abalados.
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| Emerson Tersigni e o medalhista Antônio Leme após entrevista concedida para o Jornalismo Unitau (Foto: Emerson Tersigni) |
Os médicos ao longo da infância não concediam grande expectativa de vida para Tó, pelo fato do atraso no parto comprometer seu desenvolvimento motor. Contudo, o irmão Fernando Leme, responsável por acompanhar a rotina esportiva do medalhista, recorda que a criação dos pais para com eles foi marcada pelo incentivo de relações interpessoais. “Meus pais sempre criaram a gente livre, para socializar com as pessoas. Vão atrás de amigos, de amizades, meus pais sempre falavam pro Tó ir pra rua”. E o pedido foi atendido. Fernando descreve a potencialidade com que Tó lida com o intelecto. “Ele sempre foi bom pra negócio: vendia salgadinho, pipoca, fazia rifa, bolão”.
Mesmo com a dependência de mobilidade e por contar com a honestidade das pessoas, Antonio foi alvo de muitos assaltos. Entretanto, nada o fez desanimar, e em 1998 ganhou uma cadeira de rodas motorizada. Na juventude, Tó se locomovia por Jacareí utilizando a força dos pés, por conta da paralisia que o impossibilita de utilizar as mãos. A vocação para o comércio veio após muitas dificuldades, sobretudo quando passou pelo processo de alfabetização em casa, com a irmã e professora Rosângela Leme. Não houve a oportunidade do atleta de ouro continuar estudando por conta do preconceito dos colegas de classe, o que resultou na saída das escolas que passou. Mesmo com as decepções, a fé de Antonio é grande. “Deus ajuda. E me ajuda faz 48 anos”.
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| Tó exibe medalha de ouro conquistada pela bocha paralímpica no Rio de Janeiro, em 2016 (Foto: Emerson Tersigni) |
E ajudou. Com as vendas ambulantes no comércio se popularizando cada vez mais, Tó foi convidado pelo professor de Educação Física Carlos Eduardo, o Dudi, em 2006, a participar de treinamentos na modalidade que foi, literalmente, um “amor à primeira vista”. “Ele está na bocha desde 2006, sempre treinou muito”, lembrou Fernando. “De 2013 pra frente houve um grande crescimento”. O irmão relatou que a primeira conquista de Tó foi em São Paulo, no torneio Sergio Del Grande, em 2008. Em 2010, oficializou a parceria entre os dois como Calheiro. “Nas partidas só posso manusear os equipamentos. Mas a responsabilidade maior é de Tó, que deve conhecer com mais propriedade tudo”, recorda o irmão, alegando que Tó nunca foi pessimista. “Bocha é um jogo de cabeça. Se manter a garra e vontade, dura uns 20 anos”.
Em 2012, o campeão teve de parar com as vendas nas ruas para se dedicar inteiramente a modalidade paraolímpica. Em 2014, veio a primeira medalha internacional da própria categoria, no campeonato sul-americano do Chile. Na sequência, em 2015, mais conquistas: dois bronzes nos Jogos Panamericanos de Toronto, no Canadá. “Esses resultados contribuíram para o crescimento no ranking, possibilitando assim uma vaga nos jogos Olímpicos de 2016”, alega Fernando.
Sobre as Olimpíadas, as recordações são ótimas. “Foi fascinante, muito grande. Foi a primeira paraolimpíada da categoria de Tó”. O grande objetivo da modalidade é de aproximar o máximo de suas bolas próprias perto da bola alvo, que é a branca. “É um jogo de estratégia onde o treinamento é muito importante. Você trabalha com grandes diferenças”. Para Fernando, o fato de conquistar a principal medalha dos jogos fez com que um filme passasse em sua cabeça, haja vista que há seis meses Fernando e Tó sepultavam o corpo do próprio pai. “Foi algo incrível, o estádio parecia de futebol, de tanto que a torcida vibrava. Mandaram bem a energia para o Tó”.
A Coréia do Sul foi a adversária do Brasil para a disputa do ouro, sendo que nos jogos preliminares, a equipe asiática venceu a dupla por 4 a 1. Mas, o final feliz veio, e um tabu foi quebrado: desde 2006 os sul-coreanos não perdiam um campeonato. Posteriormente, as vitimas brasileiras foram a Bélgica e o Canadá.
A grande expectativa da dupla é de que com a mudança da administração municipal, Tó venha a jogar em Jacareí e defender a cidade em diversos campeonatos. Enquanto o sonho não é realidade, o SESI Suzano deve ser o destino de Antonio, que fez a quarta proposta para que ele fosse contratado, contando com um investimento e parceria no jogador até 2020. Para Tó, o “esporte é cruel”. Mas, o próprio diz: “desistir jamais”. E não desistiu.


