Aos 21 anos, um roqueiro trocou a música pelos mantras, a farra pela meditação e transformou-se num devoto de Krishna
Quando vem o sentimento de estar no caminho certo o devoto pode passar pela segunda cerimônia, Diksha. A verdadeira iniciação fortalece o vínculo espiritual, é a transmissão de conhecimento do Guru ao discípulo. Gaura passou por ela em janeiro de 2015. Recebe-se o cordão sagrado e os diksha-mantras, que devem ser recitados ao nascer do sol, ao meio dia e durante o poente. Os mantras recebidos são recitados mentalmente e não podem ser revelados, pois se trata de um processo íntimo. Por meio da segunda cerimônia, certos obstáculos na prática são removidos de acordo com o nível de rendição do discípulo. O requisito para receber o Diksha é estar seguindo os princípios.
Antes de o sol nascer Gaura Hari Dāsa já está de pé para entoar os diksha-mantras. Em agosto de 2012 Guilherme Alves Pereira conheceu profundamente o vaishnavismo, mais conhecido como Hare Krishna e em dezembro do mesmo ano recebeu a iniciação, denominada Harer Nama.
Por: Denyse Ribeiro
Ele abandonou hábitos e transformou-se num outro alguém por meio da religião. Ao entrar na casa de Guilherme Alves Pereira – ou Gaura Hari Dāsa, como ele se chama agora – salta aos olhos a devoção estampada nas paredes em quadros, nas estantes cheias de livros, no cheiro, no clima, nos sapatos deixados ao lado da porta de entrada para percorrer de meias pelos cômodos. Também se vê a devoção no olhar cheio de certezas e inquieto, contido pela voz calma e pelos gestos tranquilos do jovem. Ele é astrólogo e encontrou a conexão com o místico por meio da filosofia Hare Krishna. Foi por conta da fé que Guilherme tornou-se Gaura e mudou radicalmente sua visão de mundo.
A busca para preencher o vazio d’alma começou com o Budismo, que não o satisfez. “Aí encontrei o vaishnavismo, popularmente conhecido como Hare Krishna, e que apresenta uma visão teísta”, explica o devoto de uma forma quase didática. Em dezembro de 2012, ele recebeu a iniciação, chamada Harer Nama. Uma cerimônia em que os novos adeptos comprometem-se a seguir os princípios religiosos e a rezar diariamente por 16 vezes as 108 contas do colar de meditação japa-mala, entoando o mantra Hare Krishna. Com isso, recebe-se um nome espiritual que indica o relacionamento d’alma no plano da Divindade. A partir daí, o devoto é guiado pelo Guru que realizou a iniciação.
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| Gaura segue os passos do Guru Jay Gurudev, está presente nos encontros para reforçar a fé (foto: acervo pessoal) |
Mas a água não se transforma em vinho de um dia para o outro. Guilherme era desorganizado e
preguiçoso. Não se interessava tanto assim pelo lado espiritual. Gostava de “farrear”. Era um roqueiro “do preto no branco”, nome de uma banda da qual fez parte quando mais garoto. Já Gaura é o oposto. Esse contraste não se deu sem crises.
preguiçoso. Não se interessava tanto assim pelo lado espiritual. Gostava de “farrear”. Era um roqueiro “do preto no branco”, nome de uma banda da qual fez parte quando mais garoto. Já Gaura é o oposto. Esse contraste não se deu sem crises.
“Meus valores mudaram muito, por exemplo, antes eu tinha a ideia de que para me encaixar na sociedade tinha que fazer uma faculdade”, relembra Dāsa. Ele até tentou cursar Psicologia no início de 2013. Porém, ficou três meses, passou por várias crises de consciência e desistiu. Depois de integrar o movimento Hare Krishna, percebeu que poderia ter um estilo de vida independente. Isso o fez dedicar-se à astrologia hindu.
Para ele, a necessidade religiosa está dentro de todo o ser humano, só que muitas vezes o indivíduo não entende os próprios sentimentos. Os antigos hábitos deixados por devoção não representam um fardo, pelo contrário, nada do que ficou no passado parece fazer falta. “Pois as mudanças se deram não por repressão, mas pelo cultivo de um gosto superior”, garante o jovem.
Mudar hábitos alimentares, encontrar tempo para estudar os textos sagrados, entoar mantras todos os dias e livrar-se de tudo o que perturba a mente foram atitudes encaixadas no dia a dia de Gaura de maneira serena. Encarar a sociedade e as pessoas ao redor depois de tantas mudanças foi mais difícil. “Você naturalmente vai se afastar de algumas relações, porque o seu estilo de vida muda”, conta Dāsa. A dificuldade está no fato de essas pessoas das quais é preciso distanciar-se não perceberem que a mudança é positiva.
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| Caminhada matinal no parque Ibirapuera, SP, em julho de 2015 (foto: acervo pessoal) |
Para atingir todos os níveis de transformação provenientes da nova crença, Gaura abriu mão de uma vida muitas vezes desejada pelos jovens. Deixou de lado a popularidade entre as meninas, os sábados à noite de farra, os shows de rock’n’roll, da banda musical, dos churrascos, do convívio com amigos antigos, do dormir até mais tarde.
Enquanto fala sobre sua trajetória durante a entrevista, uma janela bate devido à ventania do lado de fora da sala da casa de Gaura. Ela parecia querer dizer que mudar radicalmente de vida não é uma atitude fácil. Pois não importa apenas sentir a necessidade de transformação, sempre haverá algo ou alguém “batendo” do lado de fora, fazendo barulho para confundir as certezas e alterar a direção. Nessas horas é preciso fazer como Goura, pedir licença e fechar a janela para cessar a barulheira e prosseguir em paz com a própria escolha.


