A realidade das ruas e a indiferença que marginaliza

 

Enquanto cresce o número de pessoas em situação de rua no Brasil, o tema segue apagado do debate público e negligenciado pelo poder público

Por André Rodrigues (*)
(Foto: Agência Brasil)


Atualmente, muitas pessoas vivem no modo automático: imersas em rotinas aceleradas que as impedem de perceber os pequenos detalhes ao redor — inclusive aqueles que cruzam seu caminho, como as pessoas em situação de rua. 


No Brasil, o número de moradores de rua tem crescido ano após ano. Em dezembro de 2024, houve um aumento de 25% em relação ao mesmo período de 2023: um dado alarmante, que deveria gerar comoção e mobilização social. No entanto, o tema ainda recebe pouca atenção e repercussão.


É quase inevitável sair de casa e não se deparar com pessoas em situação de rua, dormindo em papelões, sob cobertas improvisadas, pedindo ajuda nas calçadas. Essa cena, cada vez mais comum nas cidades brasileiras, tem sido naturalizada a tal ponto que a preocupação com as causas dessa realidade parece ter se perdido. Muitos preferem ignorar, desviar o olhar ou até mudar de calçada, como se a presença dessas pessoas fosse apenas parte da paisagem urbana.


A invisibilização das pessoas em situação de vulnerabilidade diante do olhar público resulta em marginalização, desumanização e falta de apoio,  mesmo diante da necessidade urgente de auxílio. Essa indiferença também contribui para a omissão do poder público, dificultando a criação de políticas eficazes para enfrentar o problema. Como consequência, a situação se agrava cada vez mais, sem perspectivas reais de mudança.


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Além disso, a ausência de políticas públicas eficazes focadas na prevenção e reintegração social evidencia que essa questão não é tratada como prioridade governamental. Falta investimento em habitação acessível, apoio psicológico, formação profissional e redes de proteção social. 


Sem um plano coordenado entre os diversos níveis de governo, o ciclo de pobreza e exclusão tende a se repetir, agravando as condições nas ruas. É fundamental compreender que enfrentar a situação de rua vai além da caridade, e requer um compromisso estrutural com a equidade social.


Quem vive em situação de rua carrega, muitas vezes, estigmas profundamente enraizados na sociedade: são vistos como perigosos, doentes, dependentes químicos ou preguiçosos. Raramente se questiona o que levou aquela pessoa até ali. Nem sempre foi uma escolha; muitas vezes há questões sociais complexas por trás dessa realidade. 


A assistente social Daniele Calcanhoto, coordenadora técnica do Centro Popo 'Nhá Chica', em Taubaté, destaca alguns dos principais fatores que levam indivíduos às ruas. “Existem diversos casos. Atualmente estamos com muitas pessoas que, da pandemia em diante, perderam o emprego e não conseguiram se sustentar. Temos pessoas que brigaram com familiares e vieram parar nas ruas. Há também quem faz ou fazia o uso de substâncias ilícitas, mas não é um número tão grande.”


A invisibilidade da sociedade diante desse tema gera consequências graves. Ela impede que o problema seja solucionado, dificulta a reinserção de quem tenta sair dessa condição e reforça estigmas que ofuscam a realidade. Obviamente há casos e casos, mas a realidade é muito mais complexa do que a visão superficial permite enxergar.


Essa invisibilidade atinge também as ações voltadas ao enfrentamento do problema. Pouco se ouve sobre campanhas de doação, iniciativas solidárias ou locais de apoio — e, quando existem, são pouco divulgados. Muitas vezes nem os próprios moradores da região sabem da existência desses projetos, o que limita o alcance da ajuda e reforça o apagamento social do tema. 


Grande parte das pessoas em situação de rua afirma estar com fome, mas será que todas sabem que, no centro de Taubaté, há um local onde é possível se alimentar gratuitamente? Essa é uma das muitas dúvidas que precisam ser levantadas antes do julgamento. Alguns podem, de fato, mentir; outros, no entanto, estão passando fome de verdade.


(Foto: Agência Pública)

São Paulo concentra 43% do total de moradores em situação de rua no país. Mas, apesar da gravidade, o tema raramente ganha destaque na grande mídia. Também são poucas as mobilizações sociais que cobram providências, seja por iniciativa própria ou do governo. Em 2022, o atual governador do estado, Tarcísio de Freitas, afirmou que, se eleito, zeraria o número de pessoas em situação de rua. Porém, três anos depois, esse número praticamente dobrou.


A situação das pessoas em situação de rua tem se agravado no Brasil, impulsionada pela invisibilidade do tema e pela naturalização da miséria nas ruas. Esse cenário exige mais atenção, reflexão e questionamento: por que esse número cresce? Quais fatores levam tantas pessoas a viver nas ruas? O que tem sido feito (por cada um de nós e, principalmente, pelo poder público) para enfrentar esse problema? 


É urgente o investimento em políticas eficazes que reduzam essa realidade, antes que ela se torne ainda mais crítica e difícil de reverter.


(*) Sob supervisão e edição do Prof. Me. Caíque Toledo