O que esperar do futuro com os bots na era da IA nas eleições

A inteligência artificial está transformando o cenário político e impactando o voto, gerando preocupações para esse e os próximos pleitos

Por Carolina Rodrigues (*)

Foto: Reprodução / Agência Brasil

Com o avanço desenfreado da tecnologia e à medida que as eleições municipais de 2024 se aproximam, uma pergunta inevitável surge: como garantir que nossas escolhas sejam baseadas em fatos e não habilmente disfarçadas de inverdades? 

Na reta final do período de campanha, antes que os eleitores brasileiros compareçam às urnas, cresce a preocupação com o papel da Inteligência Artificial, que, no decorrer do processo, se torna o principal viés de questionamento da integridade do sistema democrático. As eleições presidenciais dos Estados Unidos, no ano de 2016, foram um marco destacando em primeira mão a grande escala de potencial da IA e suas variantes. Ao longo da campanha entre Donald Trump (Republicano) e Hillary Clinton (Democrata), foram identificados casos em que o uso de algoritmos e ferramentas automatizadas disseminavam de forma massiva informações falsas a respeito de ambos os lados, as chamadas “fake news”. 

De acordo com um estudo realizado pela PRC (Pew Research Center) na ocasião, aproximadamente 62% dos americanos tiveram contato com notícias desse cunho por meio de redes sociais, tornando essas plataformas canais influentes para grupos mal-intencionados que faziam o uso de bots (programas automatizados por IA), viralizarem dividindo a opinião pública e promovendo uma forte polarização. Investigações conduzidas por agências americanas apontaram que houve interferência estrangeira no processo eleitoral daquele ano, onde agentes russos teriam propagado em nível escalonado a desinformação para desestabilizar a democracia. 

Por conta desse ocorrido emergiu a necessidade de maior vigilância e regulamentação sobre o uso de tecnologias digitais e IA em contextos eleitorais, bem como a importância de educar o público para verificar a procedência de informações recebidas.

A influência da inteligência artificial nas eleições brasileiras

No Brasil, essa mesma configuração se tornou evidente durante as eleições presidenciais de 2018, quando plataformas como o WhatsApp foram amplamente utilizadas para a veiculação de notícias. Segundo a pesquisa realizada pela FGV (Fundação Getúlio Vargas), foi identificado que, no decorrer da campanha, houve um aumento significativo de até 500% de circulação dessas notícias, envolvendo tanto candidatos como seus respectivos partidos. A pesquisa apontou também que, no dia da votação, aproximadamente uma em cada quatro pessoas foi exposta a uma fake news. 

Agora, em 2024, enfrentamos uma nova ameaça que se manifesta de forma sofisticada e insidiosa, a chamada deepfake. Fruto da evolução da IA, ela permite com que fotos e vídeos sejam adulterados, como, por exemplo, fazer a troca do rosto de uma pessoa que está em cena. Um caso recente desse mecanismo envolveu o influencer e candidato à Prefeitura de São Paulo, Pablo Marçal (PRTB), que divulgou em suas redes sociais uma peça de campanha onde fazia o uso para atacar seu rival, Guilherme Boulos (PSOL), em caso investigado pela Polícia Federal. No vídeo, o rosto de Marçal é sobreposto digitalmente à imagem de uma pessoa não identificada que assopra um pó branco na direção da câmera, enquanto a legenda diz: “Marçal fazendo Boulos”.

As insinuações contra o candidato do PSOL estão sendo apuradas e investigadas pela PF, sob suspeita de crime eleitoral ao infringir diretrizes do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Marçal, no entanto, negou as acusações, alegando que o vídeo foi mal interpretado e que as insinuações foram manipuladas por adversários políticos. 

Para tentar enfrentar situações como essa, o TSE aprovou em 27 de fevereiro deste ano uma resolução para estabelecer diretrizes quanto ao uso da inteligência artificial durante o período de eleições. Ela, por sua vez, proíbe o uso de IA para criação de deepfakes e outras formas de manipulação digital visando distorcer a imagem ou declarações de candidatos. Além disso, a resolução estabelece que o candidato que for flagrado fazendo o uso dessas práticas está sujeito a sanções que podem variar de multas até mesmo cassação da candidatura.

Ataques digitais em eleições locais 

A manipulação de IA não se restringe apenas às grandes capitais. Nas eleições deste ano em Taubaté, a candidata à prefeitura, Loreny (Solidariedade), foi vítima de um ataque de deepfake. Uma foto sua foi adulterada nas redes sociais, fazendo-a parecer nua, logo no início da campanha eleitoral. 

Loreny denunciou o caso à Polícia Federal, afirmando ter sido vítima de humilhação e perseguição. “Infelizmente, em poucas horas de campanha já começou o absurdo de violência contra a mulher. Eu tenho pai, apesar de não estar aqui fisicamente, eu tenho mãe, eu tenho marido, tenho família, e é um absurdo alterar a foto das pessoas e tentar diminuir uma mulher deixando ela sem roupa”, afirmou a candidata, em vídeo publicado. 

O episódio ganhou rápida disseminação nas redes sociais, demonstrando que táticas de manipulação digital não são exclusivas de grandes centros urbanos. Esse tipo de ataque levanta sérios questionamentos sobre a proteção da integridade eleitoral em todo o território nacional.

O que esperar do futuro com os bots? 
Apesar das regulamentações e leis existentes, a evolução da IA (e da tecnologia como um todo) e suas aplicações continuam a desafiar os mecanismos de controle. “Nós não temos nenhuma peça de regulamentação de lei nesse momento que tenha sido considerada eficaz, robusta ou que não tenha sido influenciada por determinados interesses”, declarou Arthur Igreja, especialista de Segurança Digital, em entrevista à CNN Brasil. 

Questões como essa levantam a necessidade de uma vigilância e atualizações constantes das normas para a proteção da integridade do processo eleitoral. Ao mesmo tempo, com a crescente complexidade das ferramentas digitais e técnicas de deturpação, se torna imprescindível a educação digital para com os eleitores. 

Em resposta à pergunta do título, o futuro das eleições e da democracia não só depende das instituições governamentais, mas, também, da capacidade dos cidadãos de se adaptarem ao panorama digital em constante mudança – garantindo que a verdade e integridade do voto seja preservada.

(*) Sob supervisão e edição do prof. es. Caíque Toledo