Como a evolução das ferramentas de apuração tem revolucionado a transparência nas eleições brasileiras

Confiabilidade das urnas eletrônicas, referência em segurança eleitoral, volta a ser colocada em xeque por críticos

Por Gabrieli Naiara (*)

Foto: TSE-DF


As urnas eletrônicas, que tornaram o Brasil o país com a maior eleição informatizada do mundo, acabaram sendo um ponto de discórdia no cenário político atual. A polêmica em torno da confiabilidade dessas máquinas lança uma sombra sobre um sistema que, ao longo de mais de duas décadas, foi celebrado por sua eficiência e transparência.

Especialmente desde 2018, uma parcela da população brasileira tem questionado a confiabilidade das eleições realizadas por meio das urnas eletrônicas, em um discurso inflado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e seus aliados. Mesmo após reiteradas refutações pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que assegura a integridade do processo, ele manteve suas alegações contra o método utilizado no país, sem apresentar provas concretas para sustentar suas acusações. Essa narrativa continua a ressoar entre seus apoiadores, onde muitos, em 2024, ainda defendem o retorno do voto impresso.

Um episódio que também ganhou visibilidade entre apoiadores da direita foi a eleição de 2020 nos Estados Unidos, quando o então presidente Donald Trump pediu a interrupção da contagem dos votos, alegando que o Partido Democrata poderia fraudar a eleição que definiria o próximo líder do país.

Embora as eleições nos EUA não sejam totalmente eletrônicas, essa situação repercutiu no Brasil e alimentou teorias entre eleitores. Em resposta, o TSE esclareceu que as urnas eletrônicas brasileiras e o sistema eleitoral americano não têm qualquer relação, e que a empresa Election Systems & Software, não atua no país.

Processo do voto impresso
E se o retorno do voto impresso se tornasse realidade? Há muitos debates sobre a era das cédulas, mas será que as pessoas realmente entendem como funcionava o processo eleitoral naquela época?

Nas primeiras eleições, a apuração dos votos era um trabalho manual, onde cada cédula era cuidadosamente conferida por escrutinadores. As urnas de lona eram transportadas com escolta até ginásios de esportes, onde se desenrolava um processo demorado e muitas vezes tenso. O país aguardava por dia até que o resultado oficial fosse finalmente conhecido. A eleição presidencial de 1989, a primeira após a redemocratização, é um exemplo: o resultado só foi divulgado três dias após o pleito.

Entretanto, essa fase do processo era também uma das mais vulneráveis a fraudes. “Chegava uma cédula em branco e se dava um jeito de, no momento de abrir a cédula, escrever alguma coisa, algum rabisco que já virava um voto. Tinha gente que botava até grafite embaixo da unha para abrir uma cédula em branco, aí já dava um rabisco de um número ali e já virava um voto, subtraiam-se células… Quer dizer, era uma festa na questão de fraudes”, conta o ex-secretário de tecnologia do TSE, Giuseppe Dutra, em entrevista à BBC News Brasil.

Da cédula ao click
A informatização do processo eleitoral brasileiro iniciou-se em 1989, com a totalização eletrônica dos resultados em alguns estados. Em 1996, o Brasil deu um passo decisivo rumo à modernização com a introdução da urna eletrônica, utilizada por 33 milhões de eleitores naquele ano. O sucesso dessa inovação foi tão significativo que, em 2000, todos os eleitores do país já votavam eletronicamente.

A urna eletrônica, desenvolvida por empresas brasileiras como Unysis, Omnitech e Microbase, representou um avanço nas eleições. Seu uso tornou o processo mais seguro, ágil e transparente, eliminando práticas fraudulentas, com a capacidade de divulgar os resultados poucas horas após o se fechamento.

Embora o Brasil seja reconhecido pelo uso de urnas eletrônicas, ele não está sozinho nessa modernização. Pelo menos 23 países já testaram ou implementaram algum tipo de votação eletrônica, como Índia, Estados Unidos, México, Venezuela e Bélgica, cada um com seus próprios sistemas adaptados.

Testando a segurança
Desde 2009, testes de segurança são realizados para assegurar a transparência dos resultados nas urnas. Esse processo é dividido em duas etapas: o Teste Público de Segurança da Urna, que ocorre um ano antes do pleito, e a Etapa de Confirmação, realizada no ano eleitoral. “São três décadas de aperfeiçoamento do sistema eletrônico no Brasil, desse sistema que, eu sempre faço questão de repetir, é orgulho nacional no avanço e concretização da democracia no Brasil”, disse Alexandre Moraes, ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), durante o encerramento da sessão de julgamentos da Corte, em comemoração aos 28 anos do sistema eletrônico.

A urna eleitoral é apenas uma peça de um sistema muito mais amplo e complexo. Além de registrar os votos, o sistema envolve o cadastro de eleitores e candidatos, a totalização e a transmissão dos resultados. A urna, por sua vez, funciona como um computador projetado com rigorosos padrões de segurança, desde o teclado até o processador, para garantir a integridade do processo.

Com constantes atualizações nas tecnologias de segurança da informação, todo o sistema é estruturado para assegurar a confiabilidade e transparência da eleição. “O resultado desses testes, caso veja que tem algum problema, acaba gerando um procedimento na Justiça Eleitoral que é para corrigir o que foi detectado. E aí a Justiça Eleitoral prepara a nova versão e o sistema está pronto e auditado”, explica o professor Antônio Esio Marcondes, da Unitau (Universidade de Taubaté), membro da Comissão avaliadora dos testes de segurança.

Apesar dos constantes aprimoramentos, o sistema de votação brasileiro enfrenta desafios contínuos para manter sua credibilidade e transparência. A realização de testes rigorosos é essencial para garantir que quaisquer vulnerabilidades sejam identificadas e corrigidas antes de cada eleição. Esses processos não apenas fortalecem a confiança pública, mas também demonstram o compromisso da Justiça Eleitoral com a modernização e a segurança.

Em um cenário global onde a desinformação e as ameaças digitais são uma realidade, a capacidade de adaptar e evoluir as tecnologias eleitorais coloca o Brasil em uma posição de destaque na proteção da democracia.

(*) Sob supervisão e edição do prof. es. Caíque Toledo