Aumento de candidatos autodeclarados pretos e pardos levanta debate sobre o acesso a cotas na política

Segundo o TSE, 42 mil candidatos mudaram a declaração de cor de pele apresentada à Justiça Eleitoral na última eleição

Por Isabela Vieira (*)

Foto: Antônio Cruz / Agência Brasil

Candidato a vereador na cidade de Cotia, em São Paulo, nas eleições de 2024, o  ex-deputado federal Alexandre Frota se declarou pardo na ficha de candidatura do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), após duas eleições seguidas se declarando como branco. 

Em entrevista ao F5, da Folha de São Paulo, Frota justificou que a mudança na autodeclaração aconteceu por conta dos responsáveis pelo preenchimento da documentação nos pleitos anteriores. Ele ainda afirma sempre ter se identificado como pardo. “Sou pardo. Sempre fui. O problema era que outras pessoas preenchiam as documentações e eu nunca tinha reparado. Eu não cuidava disso e agora cuido de tudo”.

O caso levantou uma discussão a respeito do aumento de 52% nas candidaturas negras registradas nas eleições para prefeitos, vice-prefeitos e vereadores em 2024. O número é o maior de todas as últimas três campanhas: um levantamento feito pelo G1 aponta que, em 2016, 47,75% dos candidatos se declararam negros, e em 2020 o número subiu para 50,02%. Em 2024, 41,34% se declararam pardos e 11,39% se declararam pretos, totalizando o percentual de 52% dos autodeclarados negros. 

Cerca de 42 mil candidatos das eleições municipais deste ano mudaram a declaração de cor e raça feita em 2020. O número representa 24% do total dos candidatos que concorreram nas últimas eleições municipais.

Fonte: Levantamento do G1 com base em informações do TSE



Nas eleições de 2022 foram eleitos 517 parlamentares que se declararam negros, representando 32,3% dos deputados federais, estaduais e senadores. Em 2022, o portal UOL solicitou que uma banca de heteroidentificação racial — método usado para evitar fraudes em cotas raciais — analisasse os políticos. 

O resultado apontou que apenas 263 destes eleitos eram negros: cerca de 16,4% dos novos ingressantes no Senado, na Câmara e em assembleias legislativas estaduais.

Fonte: Levantamento do G1 com base em informações do TSE


De acordo com o jornal O Globo, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) irá investigar os candidatos que mudaram a autodeclaração, realizando o processo de heteroidentificação para entender qual seria a justificativa para a mudança. Caso não haja argumento, o acesso dos candidatos a verbas destinadas a candidaturas negras pode ser revogado. 

Até as últimas eleições, os partidos eram obrigados a repassar recursos a candidatos negros e pardos de forma proporcional, levando em consideração o número de candidatos com esse perfil. No início de agosto, o Senado aprovou uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que isenta os partidos de multas por descumprimento de repasses mínimos para candidaturas negras e outras irregularidades em prestações de contas eleitorais.

Cotas são para todos?
Os dados recentes trazem de volta a discussão acerca das políticas públicas criadas para reparação histórica relacionadas a cor e etnia. Doutor em ciência política, professor da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e membro da Abrapel (Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais), Cloves Oliveira afirma que desde os anos 2000 a classificação racial passou a ser um dos critérios utilizados para o acesso a determinadas políticas públicas. 

"Não é algo subjetivo se classificar como preto, pardo, branco, indígena ou quilombola no Brasil hoje. Isso significa uma disputa por recursos e é nesse sentido que entram todos os debates que estão na ordem do dia sobre em que medida essas classificações raciais retratam a identidade social dessas pessoas."

Professor da UnB (Universidade de Brasília) e um dos autores do livro "Raça e Eleições no Brasil", Carlos Machado entende que a definição de raça é subjetiva e pode ser alterada por diversos fatores e que, a leitura de que a mudança na autodeclaração tem objetivo de se beneficiar com recursos é equivocada, já que a distribuição não tem sido cumprida por alguns partidos. 

"O fato de que a maior parte dessas mudanças se dar de brancos para pardos indica que tem esse possível viés de algum tipo de ganho eleitoral, mas ainda assim é importante notar que tem pessoas pardas se identificando com brancos, ou seja, tem aí um processo que não é em um único sentido". 

A discussão levantada acerca dos casos recentes no meio político é importante para incentivar uma fiscalização mais eficaz. A grande questão não é acabar ou não com essa ferramenta, mas fazer com que ela chegue de forma correta até os 55,5% da população brasileira que se identificam como pretos ou pardos, buscando fortalecer cada vez mais o acesso dessa parcela população a meios dominados por pessoas privilegiadas por conta da cor da pele ou condição financeira.

(*) Sob supervisão e edição do prof. es. Caíque Toledo